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Agiotagem legalizada: cartel lucra R$ 63 bilhões e lança cartilha de juros

Mas bancos não explicam por que taxas não caem com a inflação e a Selic

Divulgação -
A cartilha da Febraban
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Uma das coisas mais estapafúrdias que aconteceu na economia neste final do surpreendente ano de 2018 foi a publicação pela Febraban, do livro “Como fazer os juros serem mais baixos no Brasil - uma proposta dos bancos ao governo, Congresso, Judiciário e à sociedade. Com 161 páginas repleto de gráficos e análises comparativas ele pode ser baixado sem tarifas (rs) no site www.febraban.org.br. Mas, vou logo avisando caro leitor: não vai resolver seu problema com o gerente do banco.

Para quem acha que vai ler coisas interessantes e sérias, vale esclarecer, de imediato, que Febraban é o nome fantasia da Federação Brasileira de Bancos. Presidida por Murilo Portugal, que foi Secretário do Tesouro do governo Fernando Henrique Cardoso, congrega uma centena de bancos no país. Mas, a rigor representa o interesse dos cinco grandes bancos (ItaúUnibanco, Bradesco e o espanhol Santander, pela banca privada, e os estatais Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal), cartel que, junto com o Safra, controla mais de 80% do crédito e meios de pagamento do país.

Macaque in the trees
A cartilha da Febraban (Foto: Divulgação)

O livreto da Febraban traz um resumo com 21 sugestões para baixar os juros (como se nenhuma delas dependesse da vontade dos banqueiros de reduzir suas margens e seus lucros). De janeiro a setembro, os cinco grandes que comandam o cartel bancário já lucraram R$ 63,8 bilhões. Com os resultados do Safra, o 6º banco do país, os lucros iriam a mais de R$ 65 bilhões. E os big 5 tiveram receitas de tarifas (aquelas contas que nenhum cliente entende bem, porque as cestas de tarifas mudam a cada ano e o sistema do BC não se atualiza para captar) que já somaram R$ 98,1 bilhões. Ou mais de R$ 100 bilhões se somadas as receitas com seguros do Santander e as tarifas cobradas pelo Safra.

Oportunismo eleitoral

A oportunidade do lançamento - produzido com dados até março e junho deste ano e comparações internacionais até 2016 e 2017 - torna o livro bastante defasado. Entenda-se que objetivo parecia ser o de sensibilizar os candidatos, já que o tema da concentração e dos juros abusivos, que levam à inadimplência, tese levantada pelo JORNAL DO BRASIL desde a sua volta às bancas, em 25 de fevereiro, dominou os debates na campanha.

Mas seu lançamento, agora no começo de dezembro, após a eleição de Jair Bolsonaro, virou apenas oportunismo eleitoral pré-posse. Uma tentativa canhestra de mostrar que os bancos têm sensibilidade. Espero que o presidente eleito e muito menos o novo czar da Economia, Paulo Guedes, que entende os meandros do mercado financeiro e nomeou equipe que também sabe bem como funcionam as contas dos bancos por dentro, não caiam na falácia.

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Lucros e juros (Foto: Reprodução)

Nos meus 46 anos de cobertura econômica nunca vi um banqueiro internado no ProntoCor ou no Instituto do Coração. Amigo cínico diz que a razão é simples: “banqueiro não tem coração”; não pode ser sensível às agruras e padecimentos que os juros altos causam a milhares de devedores e às famílias, desde tempos bíblicos.

O livro levanta vários temas, com dados defasados. E isso é lastimável. Um dos exemplos é atribuir aos elevados encaixes compulsórios no Brasil uma parcela pela alta dos juros. O livro cita números de julho, quando os bancos tiveram uma redução considerável do encaixe (de 40% para 25%). O Banco Central fez uma liberação de R$ 25,7 bilhões a partir de 1º de julho, computando a redução do encaixe sobre a caderneta de poupança. Em fins de novembro o BC fez novo ajuste e liberou mais R$ 28,4 bilhões já em dezembro. E os juros não caíram de novo.

O mais revoltante é que o livro da Febraban insinua que “os compulsórios são uma jabuticaba brasileira”, uma coisa que só existe no Brasil. Tenho visto muitos economistas e jornalistas econômicos se referirem à jabuticaba como uma fruta exótica que só ocorreria no Brasil, num paralelo de anacronismo. Para começo de conversa, é bom saber que a jabuticaba não é nativa só do Brasil. Ocorre na América do Sul (norte da Argentina, Paraguai, Sul da Bolívia, no Peru e Colômbia e ainda na América Central até a Costa Rica.

A questão é que antes - para defender a redução do compulsório - os bancos alegavam isso. Baixou o compulsório e as taxas médias de juros não caem com a redução do encaixe, nem com a queda da Selic e nem com a baixa da inflação e do dólar.

Desde o começo do governo Temer, em maio de 2016, o conjunto de fatores caiu. A inflação cedeu 56,54%, de 9,32% para 4,05% em outubro. A Selic, a taxa básica de juros, piso da captação dos bancos, acompanhou a redução do IPCA e caiu 54,38% no período, de 14,25% para 6,50% ao ano.

E os juros dos bancos? As taxas médias baixaram apenas 12,10% para as pessoas jurídicas, dos 50,4% em dezembro de 2016 para 45,8% em outubro. Para as pessoas físicas a queda foi maior: 28,42%, mas o nível segue muito alto, pois desceu de 72,4% para 51,9% (confira na tabela acima).

A cada hora os bancos inventam uma desculpa para a resistência dos juros, culpando também a alta inadimplência. O mais correto não seria reconhecer que a principal causa da inadimplência são os juros altos?

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Presidente da Febraban, Murilo Portugal (Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)

O ovo ou a galinha

Numa das páginas - se você conferir o folheto - vai perceber que quando o juro é baixo (caso do crédito consignado do INSS, na faixa de 25% ao ano em outubro, segundo o BC), a taxa de inadimplência, de 2,2% no mesmo mês, é bem menor que a crédito pessoal não consignado (juros 126% ao ano e 7,1% de inadimplência); já a do rotativo do cartão de crédito, onde os juros estavam em 253,2% ao ano em outubro de 2018, a inadimplência era de 36,4%.

Estudo recente da Fiesp desmente um a um os argumentos da Febraban com comparações entre juros e inadimplência entre Brasil e Itália. Lá a inadimplência é alta mas os juros bem menos salgados. No balanço mundial do Santander, onde a filial brasileira responde por 26% do lucro global do 3º trimestre, o custo de captação do Brasil é bem mais baixo que a média dos países em que opera.

Por que o Santander tem mais lucro no Brasil? Porque aqui os juros são mais altos. E porque, ao contrário dos concorrentes que têm reduzido os empréstimos às empresas, é dos poucos grandes bancos que está fazendo sua função básica: girar o dinheiro da economia, do aplicador (de quem capta dinheiro) para os tomadores, pessoas físicas e jurídicas.

Algumas afirmações do livro são revoltantes e mereceriam uma resposta mais dura do Banco Central. Mas, o BC na gestão Ilan Goldfajn abdicou da função de xerife e regulador do sistema financeiro, deixando o jogo correr frouxo. Cade e CVM foram duros contra os cartéis.

Brasil X Estados Unidos

Uma das parte mais ridículas da publicação é uma entrevista (no final, felizmente) de cinco páginas com o presidente da Febraban. Confrontado com a crítica da concentração e o argumento de que o mercado americano comporta 4 mil bancos, Murilo Portugal sai-se com essa resposta:

“As pessoas repetem isso, mas essa informação está fora de contexto. Os países não são iguais uns aos outros. Assim, estamos comparando laranja com abacaxi. São realidades diferentes. Na Europa, as TVs são públicas. Isso não quer dizer que elas devam ser públicas no Brasil. Nos EUA, pode haver 4 mil bancos, mas a maioria deles são pequenos, regionais e apenas 1.812 bancos têm a garantia de depósito do governo. Isso significa que, se o banco falir, o cliente vai perder o dinheiro. Embora haja 4 mil bancos, os maiores também concentram a maior parte do mercado”, diz.

Business is business. A resposta procura constranger jornalistas das grandes redes. Em especial a Rede Globo. Como as grandes redes têm os bancos e financeiras como os maiores anunciantes (entre elas, a Financeira Crefisa, que cobrava 860,23% ao ano em novembro), por isso, você, caro leitor, raramente vê nas tevês (grandes jornais matérias críticas aos bancos). Só quando o JB voltou às bancas e entrou no assunto, o tema passou a ser abordado. E a Febraban contra-atacou com essa coleção de platitudes.

Reprodução - Lucros e juros
Wilson Dias/Agência Brasil - Presidente da Febraban, Murilo Portugal