Economista brilhante, mas ainda não testado na administração Pública, Paulo Guedes, o superministro da Economia do futuro governo Bolsonaro e mais fervoroso defensor do ultraliberalismo da Escola de Chicago é visto entre um misto de reservas e torcidas veladas para que dê certo sua gestão no comando da economia, a partir de janeiro de 2019.
Um renomado economista da PUC-Rio, que muitas vezes divergiu da ortodoxia defendida por Guedes, ex-professor da Universidade, que rompeu com os integrantes do Plano Cruzado (1986) e depois dobrou a aposta contrária ao Plano Real (que teve a colaboração de um grande time da universidade carioca recrutado por Edmar Bacha, um dos principais escudeiros da equipe do ministro da Fazenda de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso), resume bem o dilema atual de diversos economistas:
“Será muito bom para o país que a gestão Guedes dê certo. A situação da economia é muito ruim. A recuperação é lenta, a situação fiscal é crítica e se a missão fracassar, o Brasil afunda. Então temos que torcer e evitar as críticas pesadas que ele fazia aos operadores dos planos econômicos no passado”, completa o experiente professor da PUC-Rio que preferiu o anonimato.
Igual torcida, embora com divergências em forma e conteúdo de algumas ideias clássicas defendidas pelo futuro ministro da Economia tem o mestre de Economia da Unicamp-SP, Luiz Gonzaga Belluzzo. Ele, que no Plano Cruzado, quando era secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda de Dilson Funaro, apelidou PG de “Beato Salu”, por suas previsões catastróficas sobre a economia (inflações de 200% a 300% ao ano, que não se confirmaram), como as do personagem vivido por Nelson Dantas em Roque Santeiro, mantém as críticas à visão econômica ortodoxa de Paulo Guedes, mas percebe ”um sinal muito positivo no aproveitamento de importantes quadros que já faziam parte do governo Temer”.
Belluzzo elogia algumas das primeiras escolhas em que Paulo Guedes teve papel positivo e nas quais demonstrou preocupação em não causar perda de continuidade na ação do governo, citando a possível continuidade de Ivan Monteiro na presidência da Petrobras, onde está desde fevereiro de 2015, quando veio ser diretor financeiro, acompanhando o ex-presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, sendo mantido no começo do governo Temer por Pedro Parente, a quem sucedeu em julho último. Outra escolha positiva foi a de Mansueto de Almeida como secretário do Tesouro. Isso assegura um mínimo de estabilidade na política fiscal para que se façam novos ajustes.
Para o economista da Unicamp, isso é “sinal de que Paulo Guedes pode estar mais amadurecido e permeável a outras opiniões”. Na entrevista concedida ao JB antes da escolha Roberto Campos Neto, diretor executivo do Santander Brasil para a presidência do Banco Central, Belluzzo não via como uma má decisão a eventual continuidade de parte da diretoria do BC, que participa das reuniões do Comitê de Política Monetária a cada 45 dias. Do grupo, por enquanto, só haveria a troca do presidente Ilan Goldfajn, que fez o mesmo na transição do governo Dilma para o de Temer, acompanhando a primeira reunião do Copom no fim de maio e só assumindo oficialmente o cargo após ser aprovado em sabatina no Senado. Uma situação que será permanente se for aprovada a independência do Banco Central com mandatos fixos para os diretores, sem causar descontinuidade da política monetária, cujos resultados se dão com defasagem de seis a nove meses.
Aqui um parênteses: à parte a competência de Roberto Campos Neto, que reconheci quando trabalhava na primeira edição do Conta Corrente, na Globonews, quando era economista-chefe do Banco Bozano, Simonsen - cuja compra, em 2000, pelo Santander, o levou a se mudar para São Paulo, onde consolidou carreira na filial do banco de Ana Botin - vale lembrar que a afinidade de Guedes com o presidente indicado para o Banco Central não nasceu no Bozano, onde Paulo Guedes estava antes de ser oficialmente convidado por Jair Bolsonaro para ser seu futuro ministro da Economia. Paulo Guedes, assim como Paulo Rabello da Castro, ex-presidente do BNDES, foi assessor econômico de Roberto Campos, avô do futuro presidente do BC. As ideias de ambos, certamente, foram lapidadas pelo convívio com o ex-ministro do Planejamento, responsável por profundas mudanças econômicas e sociais no do primeiro governo militar de 1964.
Advertências de Belluzzo
Mas isso não tira de Belluzzo a visão crítica que tem de Guedes e dos ortodoxos que seguem a linha dos teóricos clássicos da Escola de Chicago (Milton Friedman, o austríaco Von Hayek, que passou pela Economia e foi abrigado no núcleo de Estudos Sociais, Roberto Lucas Jr, Gary Becker, George Stigler, entre os mais de 30 laureados com o Prêmio Nobel de Economia). Belluzzo recomenda a Paulo Guedes cercar-se de gente mais experiente na gestão pública e voltar os olhos para a História, para a criação do Parlamento na Inglaterra do século XIII, quando houve a revolta contra o descalabro dos gastos, seguidos de sucessivas cobranças de impostos pelo Rei.
Outra observação critica diz respeito aos “dogmas clássicos da teoria quantitativa da moeda”, que “caíram por terra com a adoção de metas de inflação e, sobretudo depois da crise financeira mundial de 2008, com a adoção do ‘quantitative easy’, política de injeção de trilhões de dólares pelos bancos centrais de todo o mundo para salvar os bancos, sem que a inflação explodisse”. Belluzzo observa ainda que quem primeiro viu as falhas da teoria quantitativa da moeda foi o BIS (da sigla em inglês Bank of International Seatlements, o banco central dos bancos centrais, com sede em Basileia, Suíça), ao analisar o novo papel da China na nova ordem mundial antes mesmo da queda do Muro de Berlim.
“A entrada da China como player global, que começou com Nixon, em 1972, mudou a forma de administrar a economia”, adverte Belluzzo. Para ele, é portanto um grande erro insistir em modelos, como os da Escola de Chicago que não percebem que o mundo vive outra dinâmica, que os esquemas formais não conseguem perceber”.
Ele torce para que Paulo Guedes “contenha o caráter sombrio dessas previsões que Marx classificava como peregrinas”. Desde 1981, observa, o mundo vem vivendo uma fase de escassez na abundância de capitais pelo surgimento de plataformas digitais que afetaram o setor industrial e desalojaram os trabalhadores de mais baixa qualificação. Como observou Robert Gordon, “o progresso tecnológico trouxe enorme ganho de produtividade e afetou os salários e as relações trabalhistas”.
Neste sentido, o professor Luiz Gonzaga Belluzzo embora defenda a prioridade na reforma da previdência para resolver o desequilíbrio fiscal no país, mais agudo no funcionalismo público civil e militar, considera um erro se pensar em repetir “o modelo clássico de troca do atual regime de contribuições previdenciárias de repartição pelo de capitalização”, lembrando que a “reforma do Chile já trouxe problemas para todo mundo e precisa de ajustes profundos, não apenas os periódicos ajustes causados pelo aumento da expectativa de vida”.
Com a atual estrutura do emprego migrando cada vez mais para o setor de serviços, Belluzzo considera um grande erro a reforma trabalhista feita isoladamente pelo governo Temer, em 2017. Ele defende uma ”reforma previdenciária articulada com a reforma tributária e uma nova reforma trabalhista. Assim, tem muito mais chance de dar certo”, assevera.
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O bastião da ortodoxia
A Escola de Chicago é uma escola de pensamento econômico que defende o mercado livre e que foi disseminada por alguns professores da Universidade de Chicago. Os líderes dessa escola são George Stigler e Milton Friedman, ambos laureados com o Prêmio Nobel da Economia. Suas ideias são associadas à teoria neoclássica da formação de preços e ao liberalismo econômico, rejeitando o Keynesianismo em favor do monetarismo, (até 1980, quando passou a defender a teoria das expectativas racionais) e rejeição total da regulamentação dos negócios, em favor de um laissez-faire quase absoluto. Em termos metodológicos enfatiza a “economia positiva”, isto é, estudos empíricos baseados no uso de estatísticas, dando menor ênfase à teoria econômica e maior importância à análise estatística de dados. A “Escola de Chicago” se notabiliza por sua ampla gama de interesses, dedicando-se a estudos que vão da regulamentação ao casamento, da escravidão à demografia.
O termo “Escola de Chicago” foi concebido na década de 1950 para se referir aos professores que lecionavam no Departamento de Economia da Universidade de Chicago, bem como em áreas acadêmicas relacionadas como a Escola Superior de Administração e a Faculdade de Direito. Reuniam-se frequentemente e promoviam acaloradas discussões, que ajudaram a cristalizar uma opinião desse grupo de economistas acerca de assuntos econômicos, baseada na teoria dos preços.
Nem todos os economistas do Departamento de Economia da Universidade de Chicago comungavam das crenças da “Escola de Chicago”. Se, por um lado a Universidade de Chicago é a universidade cujos professores receberam o maior número de prêmios Nobel e medalhas John Bates Clark, por outro menos da metade dos integrantes de seu Departamento de Economia comungava das teorias da “Escola de Chicago”.
As teorias da “Escola de Chicago” inicialmente embasaram a administração econômica da ditadura de Pinochet no Chile na década de 1970, com os chicago boys,[1] e posteriormente foram adotadas, na década de 1980, por Margaret Thatcher na Inglaterra (thatcherismo) e por Ronald Reagan nos Estados Unidos (reaganomics).
Essas teorias se refletiram fortemente nas políticas do Banco Mundial e de outras instituições financeiras baseadas em Washington, tais como o Departamento do Tesouro americano e o Fundo Monetário Internacional, que passaram a adotar o fundamentalismo de livre mercado como receita para os países em dificuldades econômicas, como foi expressado pelo Consenso de Washington. Sob sua influência, de meados de 1980 a meados de 1990, grande parte das empresas estatais em países do terceiro mundo foram privatizadas.
James Tobin, professor da Universidade de Yale e Joseph Stiglitz, ex-Vice Presidente do Banco Mundial, ambos prêmios Nobel de Economia, criticaram violentamente, em suas publicações, as ideologias defendidas pela “Escola de Chicago” e pelo consenso de Washington.