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Ataque soviético

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Empoderamento, palavra de ordem nas recentes discussões de gênero, sobretudo em relação à condição profissional feminina, frequenta o vocabulário da cineasta polonesa Agnieszka Holland há quase cinco décadas, desde sua estreia na direção, em 1970, tempo de sexismo em meio às intolerâncias dos países blindados pela Cortina de Ferro. Às vésperas dos 70 anos, com um longa-metragem premiado inédito (“Rastros”) para lançar, a realizadora indicada ao Oscar por “Europa, Europa” (1990), recicla suas memórias daqueles anos de arame farpado em um projeto inédito, o thriller político “Gareth Jones”, previsto para ser lançado até o fi m do ano. O foco: a história real do jornalista galês que, nos idos de 1933, denunciou ao mundo a opressão soviética contra os ucranianos. O inglês James Norton assume o papel central de Jones, um mito do jornalismo no Reino Unido por ter sido um dos poucos repórteres fora do Eixo a ter acesso a Hitler, no início de seu império entre os nazistas. 

“A intolerância se disfarça de muitas formas, assim como a violência que estetizou a arte da bestialização”, disse a cineasta em entrevista ao JB no Festival de Berlim, de onde “Rastros” saiu com o Troféu Alfred Bauer, dado a filmes que desbravam fronteiras de linguagem. “Há um traço de brutalidade na natureza humana que o cinema precisa exumar, para entender. Essa condição bruta produziu, entre outras coisas, a fronteira profissional entre homens e mulheres mesmo em atividades supostamente liberais ligadas à arte”. 

Estima-se que “Gareth Jones” vá estrear no Festival de Veneza e de lá vá para o de San Sebastián, onde ela ganhou notoriedade nos anos 1990 ao lançar “Eclipse de uma paixão”, no qual o jovem Leonardo DiCaprio dava vida ao poeta Rimbaud, em meio a um romance gay com outro ás da poesia, Verlaine. Agora, em paralelo a seu trabalho com o fi lme sobre o passado da URSS, ela está às voltas com a verba de um edital europeu para investir em um novo projeto, a ser rodado ainda este ano na República Tcheca: “Charlatan”. 

“Pra que parar quando há muito deste mundo a ser investigado pela arte?”, questiona Agnieszka, de volta ao front do cinema com força total depois de quase dez anos de devoção à TV, onde dirigiu episódios de séries como “Cold Case”, “Th e Killing” e “House of Cards”. “Fiz a formação completa na dramaturgia da objetividade, das tramas engenhosas. Agora é hora de pesquisar novas sensações”. 

Na trama de Charlatan, ambientada nos anos 1950, um rapaz com poderes de cura é usado como um joguete por seu governo. “Gosto de histórias sobre patologias morais, dos homens e do Estado”, diz a cineasta. “O cinema me permite revelar verdades veladas pelo oportunismo político”. 

* Roteirista e presidente da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro (ACCRJ)