Foi velado no Memorial do Carmo, na tarde desta quinta-feira (13), o corpo de Leandro Konder. A cerimônia foi acompanhada por amigos, familiares e admiradores do trabalho do filósofo. A família de Konder chegou ao Cemitério do Caju às 15h e preferiu não falar com a imprensa. Emocionada, a viúva, Cristina, recebeu os cumprimentos e permaneceu todo o tempo ao lado do corpo do marido.
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Amigo de Leandro desde a juventude, o poeta Ferreira Gullar, chegou ao velório acompanhado de sua esposa, Claudia Ahimsa. “Nós éramos dois jovens quando nos conhecemos. Lembro, sobretudo, da praia de Ipanema. A gente ia para lá conversar e o Leandro era um homem muito bonito e muito jovial sempre. Era muito bem humorado e inteligente”, lembrou.
Para o poeta, Konder “era um filósofo e a reflexão dele é rica e complexa. Mas nunca foi uma pessoa sectária, nunca foi uma pessoa cheia de ódio, de querer exterminar o adversário. Sempre muito tolerante e com senso de humor muito grande. O Leandro era uma pessoa sempre muito engraçada. Quando a coisa descambava para um lado pouco amigável, ele saía com uma brincadeira, uma piada, inteligência e irônica também... E ele deixa uma contribuição. Foi uma pessoa que pensou o país, que pensou a cultura brasileira, escreveu sobre vários autores brasileiros com muita agudeza”.
Ferreira Gullar disse lamentar a perda do amigo “porque, mesmo na situação que ele estava, da doença e do agravamento, ele continuava a ter senso de humor, a fazer uma brincadeira sempre”. Lembrando de reuniões entre amigos, que chamou de “nosso grupo”, o poeta contou que Konder costumava levar poemas bem humorados sobre os amigos ou sobre o momento do país. “Esses nossos almoços vão ficar menos interessantes e menos alegres”, finalizou.
Leandro Konder foi um dos fundadores do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). O partido lamentou a morte do filósofo por meio de uma nota, divulgada em seu site. “Nosso partido lamenta profundamente a perda de Leandro Konder e se solidariza com a dor de amigos e familiares. Seu legado político e teórico seguirá conosco e com todos os que acreditam o socialismo”, dizia o texto.
Renato Cinco, vereador pelo PSOL, compareceu ao velório, ao lado de outros políticos do partido. Apesar de não ter uma relação próxima com Leandro Konder, Cinco declarou sua admiração pelo trabalho do filósofo. “Enquanto militante socialista, especialmente comunista, eu tive uma proximidade ideológica muito grande com o Leandro. Ele foi uma pessoa muito importante para o pensamento marxista no Brasil, especialmente porque ele não fazia um marxismo ortodoxo, fechado. Ele fazia um marxismo quente, um marxismo crítico. Inclusive o Leandro é fundamental para a noção de que é impossível um socialismo sem liberdade, o que é muito feliz com o nome do nosso partido, do qual ele fazia parte. Socialismo e Liberdade: isso tem muito a ver com a contribuição dele para o pensamento da esquerda no Brasil”, declarou.
O jornalista Milton Temer, um dos fundadores do PSOL, foi breve ao falar de Konder. “O Mestre Candeia... tem uma referência ao sambista que eu adapto ao Leandro. O Leandro Konder: intelectual humanista, militante marxista. Não precisou entrar para a academia porque a sua obra e a sua cidadania vão torná-lo imortal para o povo”, disse.
O vereador do PSOL, Eliomar Coelho, também esteve no Cemitério do Caju para homenagear Leandro Konder. Para ele, “o Brasil perdeu um intelectual de qualidade. Um intelectual, um homem de esquerda, um pensador revolucionário e um homem de fala doce. Uma pessoa que teve a sua vida o tempo todo dedicada ao pensamento da redução e eliminação das desigualdades sociais, as transformações exigidas pela sociedade... ou seja, é uma pessoa do mais alto valor”.
Eliomar reforçou que Konder foi “um pensador marxista, que realmente acreditou e tinha muita firmeza em relação as suas convicções, mas ao mesmo tempo, era de uma generosidade e de uma compreensão invejável com o outro. A forma como ele se relacionava com as pessoas já de cara impressionava com a largueza de sua generosidade”. O vereador finalizou dizendo: “Vai nos deixar muitas saudades. O Brasil perde e perde muito”.
O deputado federal, Chico Alencar (PSOL), lembrou da trajetória do filósofo no partido. “Ele sempre foi militante e, sem necessidade para a própria trajetória dele, veio conosco para o PSOL. Rompeu com o PT, sem ter perdido nenhum amigo lá. Enfim, é uma figura admirável. Nós temos os nossos heróis também. Na minha geração nós temos panteão e nesse panteão o Leandro Konder está, sem dúvida, em um lugar destacado. É aquilo que já ouvimos sobre algumas duplas, como Marx e Engels. Talvez o Leandro Konder e o Carlos Nelson Coutinho sejam aquele par ímpar”, disse
Chico falou ainda sobre a importância histórica de Leandro Konder para o Brasil. “Em um país que tem muito intelectual só de epiderme, ele era um verdadeiro estudioso, ia a fundo naquilo a que se dedicava. Em um país em que ter um certo verniz teórico gera pose e empáfia, ele era um ser humano absolutamente despojado e simples. Em um país em que você, para ter posições de esquerda, precisa ser sectário e ríspido, ele era extremamente aberto, dialogal e suave. Em um país em que você, pra ter posições de transformação social, precisa ser duro e até um pouco sombrio e mal humorado, ele era bem humorado, alegre, translúcido”, lembrou.
O deputado finalizou dizendo: “O Leandro era o que os seus olhos refletiam, além de ser um homem muito bonito fisicamente, e isso não lhe rendeu nenhum ego demasiado. Enfim, era uma figura absolutamente singular e que não se apegou à sua zona de conforto de intelectual reconhecido. Ele também não ficava só no palácio das idéias, ele gostava de entrar na choupana da realidade”.
Durante o velório, representantes do PSOL reuniram os presentes para mais uma homenagem a Leandro Konder. Emocionados, amigos, companheiros de militância e de profissão do filósofo falaram sobre seu trabalho e lembraram momentos com Leandro. Na ocasião, militantes do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST), leram uma carta homenagem ao filósofo.
Ao final, Cristina Konder, esposa de Leandro, fez uma breve e bem humorada declaração sobre o marido. “O Leandro era o amor da minha vida, mas, apesar de ser maravilhoso, não era perfeito. E eu queria dizer a vocês que ele adoraria ver todos vocês aqui fazendo essa homenagem. Porque a vaidade era uma coisa que ele também tinha. Tudo que eu posso dizer é que ele não vai morrer jamais, vai estar nos nossos corações. Todo mundo que conviveu com ele sabe o quanto ele era generoso, o quanto ele era aberto a qualquer diálogo, a qualquer pessoa. A representatividade de todos aqui demonstra isso. A vida de Leandro foi isso. Além de ser um marido maravilhoso”, disse. As homenagens terminaram ao som de palmas e do grito "Leandro Konder: presente. Viva Leandro Konder".
Carta do MST
"Morreu nesta quarta-feira (12/11), o filósofo marxista Leandro Konder, um companheiro de lutas e ideais da construção de uma sociedade comunista. Leandro marcou sua trajetória de vida por suas convicções políticas, sua coerência, uma militância ativa e intransigente em defesa dos interesses da classe trabalhadora.
Como intelectual, jamais abriu mão de dar sua contribuição para transformar a realidade. Com a clareza de que nas teorias de Marx não há um receituário a ser aplicado, dedicou sua vida para colocar em prática as ideias do filósofo alemão.
Como militante político, jamais se vergou frente às adversidades e derrotas sofridas pelos que lutam pela emancipação humana. Preso e torturado pela ditadura militar, soube resistir e derrotá-la, mantendo-se coerente com seus ideais políticos.
Venceu os longos seis anos de exíli,o tornando-se um incansável estudioso do marxismo. E, frente a crise que atingiu o ideal socialista, a partir da queda do Muro de Berlim, não hesitou em afirmar que naquela derrota histórica “a perspectiva socialista descobriu potencialidades de enriquecimento que ela não sabia que tinha”.
O companheiro que perdemos hoje, um verdadeiro mestre, sabia como poucos transitar da filosofia à política para, com textos claros e de refinado toque literário, transmitir para as gerações de hoje o legado das ideias socialistas e das lutas da classe trabalhadora.
Despojado da empáfia dos se escondem no sectarismo e em verdades dogmatizadas, Leandro enfrentava os debates e estabelecia relações pessoais com a simplicidade e a generosidade dos que querem sempre crescer como seres humanos e sociais.
À Cristina, sua companheira de 38 anos, aos filhos Carlos Nelson e Marcela, aos netos e parentes, amigos e amigas, em nome de todos e todas que fazem parte do MST, queremos transmitir nosso pesar, nosso apoio e solidariedade nesse momento doloroso pela perda de uma pessoa tão querida e admirada.
Para o MST, se perdemos um companheiro de lutas, herdamos um legado de conhecimentos e de exemplo de militante político.
Viva Leandro Konder, um filósfo marxista, nosso companheiro".
* Do Programa de Estágio do JB