CANNES – Quando o diretor Nanni Moretti, presidente do júri do 65º Festival de Cannes, revelou, na última quarta-feira (16), que gostaria de ver filmes que o surpreende-se, talvez não esperasse que fosse atendido tão prontamente. Os três títulos exibidos em competição nesta sexta-feira (18), ofereceram visões inesperadas sobre temas em si pouco explorados, como turismo sexual, religiosidade e obsessão pelo status de celebridade. Mas, infelizmente, impressionaram pelos motivos errados.
Exibido pela manhã para a imprensa estrangeira, Reality, do diretor italiano Matteo Garrone, oferece um estudo sobre a atração pela fama a partir de um caso envolvendo um humilde peixeiro de Nápoles (Aniello Arena) obcecado pela ideia de participar da versão italiana do Big Brother da TV. Obcecado pela ideia de ser escolhido para a próxima edição do programa, produzido em Roma, o sujeito vai aos poucos perdendo a noção do limite entre realidade e ficção.
Premiado na edição de 2008 do festival com o Grande Prêmio do Júri por Gomorra, potente drama policial sobre o crime organizado italiano, Garrone aqui muda o registro para a fábula de fundo social. Ironia das ironias, o quartel general do game é encravado na Cinecittà, o lendário estúdio de cinema da Itália. “Não quero generalizar, não estou falando do comportamento de um país inteiro, mas de um único personagem, que vê os reality shows da TV como um lugar onde podem mudar sua vida e seu destino”, contou Garrone.
A decepção do dia aumento com a fria recepção a Paradise: love, do austríaco Ulrich Seidl, sobre uma solitária dona de classe média e de meia idade, que vai buscar refúgio emocional em um resort na África. Mãe de uma adolescente relaxada que só se interessa por seu celular, Teresa (Margarete Tiesel) viaja para o litoral do Quênia na esperança para umas merecidas férias. Lá acaba se entregando a vários beach boys, jovens quenianos que vendem pulseiras e excursões na beira da praia, mas também se oferecem como parceiros sexuais de mulheres brancas.
De beach boy em beach, Teresa passa por uma série de frustrações até reconhecer que o sexo, no nas praias do Quênia, é apenas um negócio. Repleto de nus frontais e encenações sexuais, Paradise: love é o primeiro capítulo de uma trilogia do diretor sobre três mulheres de uma família que saem em viagens de férias. “Teresa vai procurar na África o que não precisa em casa. Ela é um exemplo da mulher ocidental que já deixou de ser um corpo desejado, que busca o carinho e a atenção de que precisa”, explicou Seidl.
O dia foi encerrado com a projeção do romeno Beyond the hills, de Christian Mungiu. Cinco anos atrás, Mungiu saiu de Cannes com a Palma de Ouro, conquistada por 4 meses, 3 semanas, e 2 dias, desconcertante drama sobre o aborto. Neste retorno ao festival da Riviera Francesa, o realizador deixa o espectador perplexo com uma história sobre amor e livre arbítrio. Alina (Cristina Flutur) é uma jovem órfão que volta da Alemanha para visitar a amiga Voichita (Cosmina Stratan), a única pessoa a quem ama verdadeira no mundo, com a intenção de levá-la consigo. Mas a encontra inteiramente devotada a Deus, vivendo com freiras de um monastério ortodoxo numa região rural. Alina enfrentará um rival poderoso, capaz destruir qualquer um que atravesse seu caminho. É um filme para amar ou odiar: não foram poucos os jornalistas que vaiaram a polêmica história.
“A maior parte dos grandes erros cometidos nesse mundo foram perpetrados em nome da fé, e com a absoluta convicção de que foram feitos por uma boa causa”, declarou Mungiu. “No fundo, espero que Beyond the hills fale sobre opções e escolhas da vida que derivam da educação, ou da falta dela, e sobre como muitas coisas na vida derivam de coisas sobre as quais não temos poder, ou sobre coisas sobre as quais não sentimos culpa: de onde você veio ao mundo, por quem, e em que tipo de comunidade cresceu”.