Luiz Felipe Reis, Jornal do Brasil
RIO DE JANEIRO - Diego Cunha Silveira, 23 anos, subia a Rua Augusta conduzindo seu carro tranquilamente. Ele tinha um compromisso agendado às 12h numa emissora de rádio; e estava adiantado. Do lado de fora do endereço marcado, 400 adolescentes se aglomeravam à porta para conseguir autógrafos, fotos, beijos, abraços e palavras de apoio dos integrantes de uma banda novata, a Replace. Mas bastou uma menina olhar para o outro lado da rua para que um tumulto generalizado se armasse.
A jovem acabara de reconhecer um dos maiores ídolos pop do país. Diego Cunha Silveira é Dh, um garoto comum que ainda na escola decidiu se vestir com roupas espalhafatosas e escrever versos como As cores lá fora me disseram pra continuar / Mas eu queria suas mãos nas minhas / Revelar as fotos que tiramos e ninguém sabia . Encapado com suas multicoloridas vestimentas e letras festivas, se tornou o líder da banda Cine e o mentor de uma geração inteira que se cansou de entoar tristezas e agora só pensa em celebrar uma vida de festas.
Gritos, febre, choro...
Ao lado do quarteto Restart, a Cine é o maior ícone do movimento colorido. A bordo da neon music (Cine) e do happy rock (Restart), eles se aplacaram à internet para contaminar as rádios e TVs de todo o país. E agora causam febre, choro, tontura, gritaria e, por que não, um ritual de paixão selvagem disseminado em massa.
Quando a menina me reconheceu no carro já era tarde... lembra Dh.
Ela atravessou a rua correndo, e com uma horda ao seu encalço. Tentou abrir a maçaneta, o porta-malas, esmurrou o vidro dianteiro e riscou desenhos e palavras de amor com o dedo. Do lado de dentro, Dh se apressou. Travou a porta, fechou as janelas, engatou a marcha e pesou seus tênis colorido no acelerador, enquanto seguranças e um dos diretores da rádio tentavam, sem efeito algum, conter os fãs.
Surgiu um motoqueiro do nada e começou a dispersar as meninas, riscaram o carro todo... lamenta Dh. A intimidade é legal, mas às vezes passa do ponto. Elas descobrem o celular e não param de ligar, descobrem o endereço e ficam na portaria me esperando. Hoje em dia não vou mais ao cinema. Há alguns meses estava na fila para comprar um ingresso quando uma menina me viu. Começou uma aglomeração e eu fui convidado a me retirar do shopping. Os seguranças disseram que não tinham condições de lidar com aquilo.
Dezenas de fã-clubes espalhados pela rede, mais de 200 shows por ano, 17 ao mês; quase 10 milhões de visualizações no Youtube e mais de 4,5 milhoes de audições no Myspace os dois artistas brasileiros mais acessados do portal. As bandas Cine e Restart dividem os créditos destes dados superlativos. Mas a conexão entre elas vai além da coincidência numérica.
Os dois grupos são formados por jovens da capital paulista, criados em famílias de classe média e que, ao longo da adolescência, se enfastiaram da carga pesada que o movimento emo trouxe às suas vidas. Culto à tristeza, dramas diários, olhos delineados, roupas negras e cabelos repicados com franjas generosas foram substituídos por princípios, atributos e acessórios de características diametralmente opostas. Tênis de cano alto coloridos, calças justas em cores cítricas, camisas com estampas berrantes e óculos vintage de armação pintada servem para emoldurar versos inocentes sobre esperança, amor à primeira vista e festas, além de embalar uma sonoridade para cima e eufórica, desaprovada pela crítica, mas absorvida de forma virulenta por milhões de adolescentes espalhados pelo país.
Crescemos numa cena em que todo mundo se vestia de preto, caindo para o gótico. Nunca gostamos disso afirma Dh, que cresceu ao som de nomes como Nx Zero, CPM 22 e Fresno.
Também influenciado por nomes do punk emo, assim como assim como pelos cariocas Dibob, For Fun e Scracho, o guitarrista e vocalista da Restart, Pedro Lucas, detalha o motivo das cores e do rock alegre cravado nas simples mas pegajosas canções do grupo.
Curtimos roupas e acessórios coloridos desde a época do colégio conta Pe Lu, 19 anos, recém-formado na escola. Tem a ver com o som da banda. É um visual para cima. Somos moleques, estamos sempre dando risadas e queríamos fazer algo louco. Em vez de esperar as pessoas nos chamarem de emo e pós emo decidimos inventar o nosso gênero, o happy rock.
Ego massageado
Além da Cine e da Restart, o movimento colorido engloba outras bandas surgidas recentemente, cujos integrantes margeiam a casa dos 20 e poucos. Hevo84, Replace e até o grupo liderado pelo ídolo teen Fiuk, o Hóri, são apontados como filhotes do movimento. Ecoando versos que rondam a cultura urbana, atrelada ao consumo, à internet, aos relacionamento cultivados e desfeitos virtualmente, as bandas se destacam pela afinidade imediata com a rotina de jovens adolescentes. Esculpidas com versos triviais e melodias simples, mas que se aplacam à memória em segundos, suas canções assemelham-se a páginas de diários mas musicadas. Suas pequenas confissões geram uma intimidade e uma histeria avassaladoras. Impacto que restringe a liberdade de cada um destes garotos, mas que massageia seus egos e os afirmam como nunca antes.
Fazemos um som para a galera curtir e dançar, não queremos criar algo complexo resume Dh. Queremos reestabelecer a felicidade, o amor e a euforia; não tem nada melhor que isso no mundo. O amor, se não for banalizado é importantíssimo. Acho que temos a chance de construir uma geração bem melhor do que a nossa, que cresceu dramatizando tudo.