Bernardo Costa, Jornal do Brasil
RIO DE JANEIRO - Quando começou a mistura do samba com o jazz, uma das sínteses da moderna música instrumental brasileira? Essa e outras perguntas serão respondidas na série Almanaque do Samba-Jazz, que entra em cartaz terça-feira no Teatro 2 do Centro Cultural Banco do Brasil. Tentando esclarecer a questão, o encontro de verdadeiros catedráticos no assunto: o conjunto Copa 5 grupo que acompanhava o legendário saxofonista J.T. Meirelles nos anos 60, hoje formado por Fernando Merlino (piano), Adriano Giffoni (contrabaixo), Kleberson Caetano (bateria), Julinho Merlino (saxofone e flauta) e José Arimatéa (trompete) e João Donato, outro dos pioneiros da fusão que dá nome ao ciclo de shows. Interrompendo um dos ensaios para a estreia, o Caderno B foi perguntar ao grupo e a Donato: afinal, onde acaba o samba e começa o jazz nesta história toda?
Antes de Pixinguinha
Acredito que o momento marcante do samba-jazz foi quando o Meirelles fez o arranjo de Mas que nada para o Jorge Ben, em 1963. E se firmaram aquelas formações de saxofone e trompete, com um trio de baixo, bateria e piano por trás, que encontravam um paralelismo com os quintetos de John Coltrane e Miles Davis, por exemplo diz Fernando Merlino. A gente fala em samba-jazz, mas no show de terça-feira vamos tocar de tudo, inclusive um baião do próprio Meirelles.
Para João Donato, a influência do jazz (ou seja, do improviso) na música brasileira, pode ser verificada desde Pixinguinha, atraído que foi pela sonoridade do jazzman americano Coleman Hawkins (sax tenor), até ser sedimentada pelos músicos que surgiram nos anos 50, época em que começaram a chegar ao Brasil os primeiros discos de jazz.
O primeiro músico que me impressionou foi o trombonista Edson Maciel lembra Donato. Eu, ele, Edson Machado, Paulo Moura, Dom Um Romão, Bebeto e J. T. Meirelles passamos a nos reunir e a ouvir os primeiros discos de jazz que chegavam aqui. E a coisa do improviso foi cativando a gente. O samba-jazz nada mais é do que do que tocar improvisando em cima do samba.
Julinho Merlino cita a segunda metade do século 19 como uma época em que ritmos estrangeiros como a polca, a mazurca e a valsa eram incorporados pelos chorões.
O choro era uma forma brasileira de se tocar qualquer outro ritmo estrangeiro. Hoje o chorinho é um samba instrumental. Ou um samba-jazz, se preferir.
Fernando Merlino encara o gênero como uma forma de resistência e uma necessidade de o músico extravasar.
Nós, que passamos muito tempo acompanhando músicos e cantores, não tínhamos muita liberdade para improvisar. E o samba improvisado acaba sendo uma forma de desafogo, de escapar da burocracia musical.
Mas o improviso em cima de temas brasileiros não era muito aceito nas boates nos anos 50. Donato conta:
Chegava alguém na boate e pedia para a gente tocar Aquarela do Brasil, e respondíamos: Mas nós acabamos de tocar . Só que o cara não percebia, porque havíamos tocado de forma jazzística, improvisada. Fui para os EUA, mas lá também o jazz que queria fazer estava parado.
Se a música brasileira foi influenciada pela americana, Donato conta que quando a bossa nova chegou aos EUA foi responsável por retirar vários músicos do ostracismo no início dos anos 60, dentre eles Stan Getz, que voltou às paradas após gravações com João Gilberto.
Um americano amigo meu dizia: Ainda bem que a música de vocês chegou aqui, não aguentávamos mais rock . O jazz nunca foi tão popular nos EUA como quando se misturou com a bossa.
Bossa é bossa, jazz é jazz
Porém, para os que acham que a bossa nova e o samba-jazz são a mesma coisa, João Donato explica a diferença:
Nós misturamos o samba com o jazz, e lá eles chamam isso de bossa nova. Mas são coisas distintas. A bossa é mais suave e cantada, aquela coisa de banquinho e violão, já o samba-jazz é mais vigoroso e instrumental, que é a coisa que gosto de fazer. Havia uma época em que eu não gostava de me identificar com a bossa nova. Dizia: que bossa que nada, eu gosto é de samba". Para tocar bossa nova eu tenho que excluir muita coisa do que eu faço, tenho que ir contra meu temperamento.
A série Almanaque do Samba-Jazz segue no CCBB até 30 de março. Com curadoria do produtor e radialista Edison Viana, fazem parte do projeto Paulo Moura, Mauricio Einhorn, Raul de Souza, Hamleto Stamato, João Donato, Antonio Adolfo e Hector Costita.