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Mineiro Rafael Nassif apresenta em NY premiada composição sacra

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Franz Valla *, Jornal do Brasil

NOVA YORK - A música sacra para orquestras e coro, entoada em igrejas desde a era medieval em todo o mundo ocidental, ganha um reforço de peso para continuar sua tradição e a inspiração vem de nossa Cataguases, Minas Gerais. Os olhos são a luz do corpo, composição do mineiro Rafael Nassif vencedora do prêmio William Schuman da BMI Foundation em 2009 (concedida ao melhor trabalho do ano em música erudita) será apresentada ao vivo para o público americano domingo, na igreja de St. Ignatius of Antioch Episcopal Church, esquina da Rua 87 com a West End Avenue, em Nova York.

O autor conseguiu, aos 25 anos, ser elevado a categoria de virtuoso da música clássica com o prêmio da BMI, feito que só havia sido conquistado por um outro brasileiro antes, o compositor Marlos Nobre, em 1961. A instituição é equivalente ao Ecad no Brasil agência que coleta os direitos autorais dos músicos e anualmente prestigia novos talentos. A importância da premiação é medida pelo fato de que nada menos que 11 agraciados na mesma categoria acabaram recebendo também o prêmio Pulitzer posteriormente.

Orgulhoso com o prêmio e entusiasmado com sua estreia nos EUA, Nassif afirma que sua carreira de compositor já seguia sólida muito antes da láurea:

Eu me formei pela UFMG em música e logo fiz uma pós-graduação em sonologia explica. Tornei-me compositor residente da UFMG e já estava certo que iria continuar meus estudos em Stuttgart (Alemanha), onde moro desde outubro. A premiação me trouxe prestígio e abriu portas, mas meu destino não dependia disso.

Durante a infância em Cataguases, Nassif teve contato intenso com a coleção de discos de música clássica do pai e desenvolveu a paixão por reproduzir o que ouvia. Mesmo antes de entrar para a faculdade já trocava e-mails com o ídolo Marlos Nobre.

Marlos foi uma inspiração o para mim lembra. Ele me encorajou a tentar o prêmio da BMI, que ele mesmo recebeu anteriormente, e me orientou bastante no meu trabalho. Sou muito grato. Ele é um exemplo a ser seguido: é tão completo que nem precisa de editor para escrever suas partituras, alem de ser um exímio pianista.

Discos são só uma amostra

A peça que estreia neste domingo requer o uso simultâneo de três corais e mais três trombones. A intercalação dos corais faz uso até de leis da física. Nassif demonstra com a ajuda de gráficos que tudo foi planejado para obter um determinado efeito nos ouvidos do público.

A musica clássica é feita para ser tocada ao vivo. A reprodução em discos não consegue captar a emoção da hora em que ela é executada explica. Essas peças eram feitas para serem tocadas em igrejas, aproveitando a acústica. Uma reprodução gravada é apenas uma amostra.

A respeito dessa observação, o compositor cita um exemplo:

Uma de minhas maiores influências é o maestro romeno Sergiu Celibidache. Enquanto foi regente da filarmônica de Berlim, ele não permitiu que se fizesse gravações de suas apresentações. Tudo para preservar a integridade de sua obra: ele acredita que a música clássica tem que ser experimentada ao vivo.

A apresentação de Os olhos são a luz do corpo ao público americano se dará em grande estilo. O grupo The New York Virtuoso Singers é o maior coro profissional a atuar nos EUA. O condutor Harold Rosenbaum fundou a organização em 1988, que se apresenta somente quatro vezes por ano. Rosenbaum foi um dos julgadores do prêmio BMI; ao conhecer a peça de Nassif, no ano passado, se encantou e pediu ao autor autorização para inclui-la no repertório da companhia nesta temporada.

O trabalho de Rafael Nassif canaliza perfeitamente o uso de vozes e instrumentos, com a vantagem de usar a herança cultural brasileira. Estou muito feliz por poder apresentá-la atesta Rosenbaum.

O futuro de Nassif enquanto compositor ainda não está claramente definido. Mas ele já sabe que não pretende seguir a carreira de professor universitário, já que não teria tempo para compor. As encomendas já estão começando a chegar, enquanto ele se aperfeiçoa na Alemanha:

Agora mesmo trabalho em uma peça para a Filarmônica de Belo Horizonte comenta. Vai levar pelo menos um ano para ser completada. Espero que venham outras encomendas para me manter ocupado.

Lâmpadas silênciosas

A inspiração para criar música sacra, ou melhor, uma reprodução de diálogos entre anjos, é um trabalho complexo para quem cria, mas simples para quem ouve. O processo de criação não é revelado por Nassif, mas ele dá algumas pistas:

O silêncio é muito importante e isso é muito valorizado em Stuttgart. Até as lâmpadas são projetadas para não emitirem ruído algum. Isso ajuda a trabalhar em uma peça.

A explicação ajuda a entender um pouco do seu método de composição.

Claro que não dá para sentar e criar uma música do nada. Seria uma música irrelevante. Tudo está interligado com o momento em que você se inspira. E eu procuro me inspirar com o que penso naquele instante e como as pessoas vão perceber isso diz o compositor. Até o momento em que as pessoas vão ouvir a música ser entoada em uma igreja ou salão tem seu impacto. E tudo isso faz parte desse meu trabalho. Espero me manter inspirado.

* especial para o Jornal do Brasil