Franz Valla, Jornal do Brasil
NOVA YORK - Uma das primeiras incursões do artista brasileiro Ernesto Neto na sua série de trabalhos no campo de esculturas interativas, Navedenga, foi adquirida pelo Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) há três anos, mas até então não havia sido exposta em seu acervo permanente. A partir da última sexta-feira, no entanto, os visitantes da instituição já podem vê-la de perto e tocar sua estrutura feita de lycra e poliestireno: até o dia 26 de abril, ela permanece em uma ala somente sua. Para seu criador, que a concebeu dentro de uma série de outras naves , Navedenga, que faz parte de uma série de outras "naves".
Ela é uma gata filha da Navedeusa. É minha nave mais sintética, contém os principais elementos da série, talvez a mais inteligente e bem resolvida. Marcou a minha vida, mudou muita coisa entusiasma-se Ernesto Neto.
O artista é um dos mais destacados representantes contemporâneos do movimento neoconcretista brasileiro e propõe uma maior interação do público com a arte, notadamente se inspirando nos trabalhos de Hélio Oiticica e Lygia Clark. Apesar de todo respeito que adquiriu no mundo das artes, foi a exposição da obra Anthropodino, no New York Armory, em junho do ano passado, que o introduziu ao público americano, até então pouco familiarizado ao seu trabalho. A exposição repercutiu muito devido ao fato de que sua peça ocupou todo o espaço, fazendo com que as pessoas tivessem que caminhar dentro dela. A proposta de preencher espaços onde as pessoas possam tocar na obra, penetrá-la e caminhar por dentro dela ainda é algo novo para os curadores de arte, sempre acostumados em orientar as pessoas a não tocarem nas peças expostas.
No Brasil isto é quase uma tradição desde que a Lygia Clark fez o trabalho Bicho. Porém, politicamente o pensamento ocidental prega a proibição ao toque analisa Neto. Gosto da ideia de macular este pensamento, de impedir o total conhecimento da obra àqueles que não a tocam, porém acabo tendo que fazer cópias de exibição.
Navedenga assustou um pouco aos curadores Doryun Chong e Nora Lawrence, do MoMA, que tiveram muito trabalho em montar a exposição:
Já tivemos outras instalações no passado nas quais o público era convidado a interagir, mas estas vinham com instruções detalhadas sobre como montar diz Chong. Esta precisou do artista aqui conosco, para explicar como proceder. Ele nos ajudou muito, do ponto de vista logístico, porque esta será mais do que uma exposição.
O curador se refere ao fato de que a peça chegou ao museu sem condições de ser exposta e por essa razão teve que ser refeita. Ernesto veio a Nova York especialmente para recriar sua obra, e a procura do tecido original que reveste a obra não foi fácil. Como foi um de seus primeiros trabalhos nesse campo, ele não teve o cuidado de anotar os detalhes da composição da obra e, além disso, a tule de lycra que utilizou na confecção original já não se fabrica mais.
Os artistas normalmente enviam páginas e páginas de instruções detalhadas sobre como expor suas obras e seguimos à risca estas instruções, mas Ernesto confessou logo de cara não se lembrar dos detalhes deste que foi um de seus primeiros trabalhos ressalta Chong. Tivemos que trazê-lo aqui para refazer tudo e para mim, pessoalmente, foi um presente poder acompanhar o trabalho criativo de um criador que admiro muito.
O primeiro desafio foi encontrar um tecido que tivesse a mesma elasticidade da primeira obra, para reproduzi-la. O segundo problema foi encontrar a forma de estender a peça dentro do pavilhão. Neto conta que, resignado, havia mandado a melhor versão da obra para Nova York. Uma semana depois de mandar a cópia de exibição para os Estados Unidos, encontrou um tecido mais próximo da malha hoje extinta, e no mesmo dia a base do trabalho foi feita.
O resultado foi arrebatador, era a Navedenga que estava ali, na última volta do relógio! empolga-se o artista. Embora a peça fosse um pouco menor, ela compreendia todos os conceitos envolvidos na obra, basicamente ela continha uma pureza que a versão emendada (enviada inicialmente ao museu) não tinha. A Navedenga é simples: dois retângulos, teto e chão, a parede e os elementos. Enquanto a primeira versão tentava ser algo ela não era, esta Navedenginha era a mesma, mesmo sendo outra.
A dedicação de Ernesto Neto impressionou ainda mais os curadores, pessoas acostumadas à empáfia dos artistas. Eles se encantaram com o fato de o artista se preocupar mais com a mensagem de sua obra do que com detalhes estéticos.
O mais incrível foi que ele voltou para o Brasil e descobriu um lugar que fabricava o tecido que mais se assemelhava com o original lembra Chong. Destruímos tudo que havíamos feito durante o tempo que ele passou aqui e fizemos tudo de novo, com a malha que ele mandou sem pestanejar, com o maior prazer.
A instalação é montada como um invólucro onde o público é convidado a entrar e tocar em suas paredes, ao mesmo tempo em que sente aromas inebriantes em seu interior. Isto porque as tules de lycra são banhadas em ervas especiais, para que a obra também seja explorada pelo olfato.
A ideia da escultura já traz em si a idéia do tato. Toda a matéria tem cheiro e o odor atinge diretamente nosso espaço sensível, porém os sentidos são decodificadores, condutores. Assim, a arte acontece para além deles, e pode inclusive acontecer sem eles teoriza Neto. Uma obra conceitual transforma o olho apenas em um condutor de informação. Toda arte é impregnada de conceitos, mas, às vezes, é triste, mas ela pode ser só conceito e uma grande obra, sem cheiro, sem carne.
O MoMA tem desenhos e pinturas de Ernesto Neto em sua coleção, mas esta é a primeira obra a ser relacionada entre as mais importantes peças de arte do século 20, ao passar a incorporar o acervo permanente do museu. A curadora Nora Lawrence ressalta que o reconhecimento do trabalho do artista já não pertence só ao mundo das artes:
Enquanto montávamos a exposição foi comum ver as pessoas que frequentam o museu perguntarem se já podiam entrar dentro da obra relembra Nora. Mesmo sem ver o nome do artista escrito em algum lugar já sabiam de quem era a obra e do que se tratava, porque a forma de como aos tecidos tomam conta do salão já são sinônimo do seu trabalho.
Alegando ser difícil ter uma visão de como os outros nos veem , Ernesto Neto comenta o seu sucesso nacional e internacional:
Acho que muita gente compreende bem o que venho fazendo nestes 25 anos de carreira. Creio que meu trabalho traz uma importante continuidade da excelente arte feita no Brasil nos últimos 60 anos, e isso também é percebido fora do país.
Colaborou Taís Toti