Ricardo Gonzalez, Jornal do Brasil
RIO - Imaginemos que o universo de leitores de A história por trás de todas as canções seja de pessoas que gostem de Beatles haverá quem não goste? Desses, há os beatlemaníacos fissurados. E há os que apenas curtem as músicas, têm informações aqui e ali sobre a banda, mas nada muito profundo. Quanto aos primeiros, a obra do jornalista Steve Turner não lhes mudará a vida. É para os segundos que a obra terá mais relevância. É um trabalho jornalístico de fôlego, que levanta a origem de 208 músicas compostas pelos quatro gênios.
O autor dessacraliza os Beatles como letristas na primeira fase da carreira. Precavido, deixa que um deles corrobore sua tese: São apenas palavras que acompanham a melodia , admitia Paul McCartney. Muitas canções idolatradas por legiões de fãs viram lixo na opinião de John Lennon. Outra verdade que o livro escancara: muitas canções surgiam por influência de outros músicos o que só reforça a genialidade dos Beatles, pois as canções desses tais músicos nunca tinham o mesmo brilho. É o caso clássico de Smokey Robinson, imitado por Lennon sem qualquer pudor.
Às vezes a influência era indireta. Como a do The Who, na criação de Helter skelter. McCartney viu uma crítica de jornal sobre a música I can see for miles, e ficou com uma pontinha de inveja ao ler sobre a maratona épica de pratos profanos e guitarras blasfemas, que marca o retorno do Who como uma força alucinada . Macca decidiu fazer algo melhor do que isso, na mesma linha, e com Helter skelter fez a bela música de Pete Townshend parecer uma canção de ninar.
Pérolas
Beatlemaníaco que se preza já ficou em dúvida sobre se Paul morreu ou não num acidente de carro no fim de 1966. Para alimentar a polêmica dos fãs, os Beatles deram vários falsos indícios que a fofoca era verdade. O livro põe mais lenha na fogueira ao lembrar que, em algumas culturas, a morsa é considerada símbolo da morte. E em Glass onion, John canta que a morsa era Paul .
É nesses pequenos detalhes que o livro de Steve Turner é saboroso, independentemente do grau de beatlemania do leitor. Outro exemplo: a participação de Donovan, cantor amigo de McCartney, na letra de Yellow submarine. É dele o trecho Sky of blue and sea of green in our yellow submarine . Quer mais? Savoy truffle foi feita por George Harrison para Eric Clapton, que adorava doces, como um alerta de que, naquele ritmo, Clapton iria acabar com os dentes. É pouco? John Lennon escreveu uma de suas mais suaves músicas, Good night, para seu filho Julian. Mas este nunca soube disso até ter sido entrevistado pelo autor do livro, recentemente. Triste, John...
Do ponto de vista de pesquisa, os comentários sobre I am the walrus e She's leaving home são destaques. Na primeira, Turner relata que John recebeu uma carta de um aluno de sua ex-escola, dizendo que o professor estava analisando as letras dos Beatles. Irreverente, John decidiu fazer algo inanalisável , com imagens absurdas ( semolina pillchards ) e palavras sem sentido ( textpert e crabalocker ). E o tal eggman era Eric Burdon, dos Animals, que costumava quebrar ovos sobre as mulheres com as quais fazia sexo.
Já sobre She's leaving home, Turner entrevistou a personagem que deu origem ao clássico de Paul McCartney, a menina que fugiu de casa numa quarta-feira. É Melanie Coe, que em 1963 ganhara um concurso de mímica na TV e recebera o prêmio das mãos de McCartney. Para fugir da solidão com os pais, a moça se casou aos 18 anos. Hoje ela vive na Espanha com dois filhos e um outro namorado.
O melhor conselho é que se leia a obra ouvindo qualquer disco dos Beatles. Isso fará a leitura muito melhor. E a vida também.