Bolívar Torres, Jornal do Brasil
RIO DE JANEIRO - Quando o primeiro número da revista Azougue ganhou vida, em 1994, nem todo mundo tinha computador. Não havia programas modernos e práticos para diagramar páginas, e os limites orçamentários de seus criadores, os poetas iniciantes Sérgio Cohn, Eduardo Verderame, Alexandre Barbosa de Souza e Danilo Monteiro, não permitiam formatos mais caros do que o bom e velho xerox. Acima de tudo, vivia-se uma época difícil para a poesia nacional. Os espaços eram escassos, assim como os leitores; e ainda não havia ocorrido o boom dos blogs e sites. Mesmo assim, os videntes, paranóicos & utopistas editores seguiram em frente, rumo a um desbravamento que, mais tarde, desaguaria na retomada do gênero no país.
Circulando nos últimos 15 anos, a Azougue publicou poetas como Alberto Pucheu, Alexandre Ferraz, Renato Rezende e outros nomes silenciados que encontraram nas páginas da revista uma vitrine. Parte de sua produção se encontra agora em Inquieração-guia, reunião em livro de alguns dos melhores textos, que tem lançamento hoje, às 20 horas, na Cinematheque, em Botafogo.
Percebemos que, para mostrar o que fazíamos, era preciso criar um espaço que não existia define Cohn, que tinha 20 anos no lançamento do primeiro número. Na época, a poesia estava fora de moda. Ao contrário de hoje, não existia oralmente, as pessoas não se reuniam em saraus, e também estava fora das livrarias. Poucos ainda viamo gênero como um meio de expressão. Mas não nos importavam as ferramentas, e sim o desejo que as antecedia.
Em 15 anos, tudo mudou. Livros de poesias sobram nas estantes das livrarias (uma recente pesquisa mostrou que há mais livros do que leitores) e multiplicaram-se espaços de divulgação, principalmente na web. Dos 15 autores presentes na antologia, 11 publicaram livros pela própria Azougue, que se transformou em editora em 2001.
A trajetória da Azougue mostra essa mudança de momento na poesia brasileira continua Cohn. Passaram pela revista diversos autores que na época estavam fora de catálogo e que hoje estão bem, com suas obras completas publicadas.
A revista, porém, não representa apenas uma mudança no mercado; nas páginas da Azougue forçava-se uma ruptura com a estética da geração anterior, mais focada na metalinguagem e reflexões sobre a própria poesia. Na contramão de obras como Collapsus lingua, de Carlito Azevedo, os azougueiros propunham a poesia como um fim. Não por acaso, a palavra que mais aparece no tag cloud (a mancha visual formada pela reunião de diversos tags) que abre o livro é corpo e não poesia .
Estávamos reagindo à dominância da metalinguagem ressalta Cohn. Nossas referências eram Affonso Henriques Neto, Roberto Piva, Hilda Hilst, que buscavam um desvio a este conceito. Pode-se ver claramente que existia uma confluência estética, que não ficou apenas na intenção. Foi concretizada.
Num mercado onde a sobrevida das revistas alternativas é curta, quando não sofre com lançamentos intermitentes, a permanência e constância da Azougue é emblemática. Sem acesso às livrarias, o bloqueio inicial foi vencido graças a um diálogo com o público de outras áreas. Os lançamentos em bares e casas de shows reuniam estudante de artes plásticas, música, cinema e antropologia, expandindo o grupo tradicionalmente fechado da poesia.
A revista era o ingresso dos eventos e assim é que conseguíamos vendê-las recorda Cohn. Foi isso que a tornou visível. Para mim, poesia é diálogo, nunca concordei com o purismo.
Com os novos impasses provocados pela chegada da internet, que criou um espaço infinito e gratuito de divulgação, o papel das revistas impressas precisa ser repensado, acredita o editor.
Pouca gente percebeu que tudo mudou afirma. As revistas continuam se comportando com um espaço de divulgação, que já existe na web. A função agora não é mais apresentar, mostra, mas qualificar. Precisamos nos reinventar.