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Quinze anos depois de sua morte, Tom Jobim é relembrado em eventos

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Luiz Felipe Reis, Jornal do Brasil

RIO - Não só o gênio musical do maestro Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim (1927-1994) nos faz falta tanto ao país como ao mundo. Sua faceta de poeta e sensível pensador da condição humana, sempre indissociável à música, explodia mansa e certeira através dos imagéticos versos que adornam suas melodias. De cada partitura, Jobim lançava sua lírica aflita quanto à condição do homem reflexões profundas sobre o amor, a morte e o meio-ambiente. A marca de 15 anos da sua morte, na próxima terça-feira, nos leva a mergulhar numa reavaliação sobre o impacto que os ricos elementos que compõem sua obra causam ainda hoje. De lá para cá, sabe-se, muita coisa mudou na música popular brasileira e na cidade de mar e montanhas que tanto o inspirou. Perpetua-se, porém, com inegável pujança, a força de seu extenso legado humano e artístico. A fim de amainar as saudades, o homem e o mito juntam-se num grande projeto que, em breve, chega às telas de cinema. Idealizado por Marco Altberg, Paulo Jobim, Miúcha e com direção de Nelson Pereira dos Santos, um documentário, repleto de entrevistas e imagens em vídeo, revela o homem por trás das inovações harmônicas que esculpiram a bossa nova e injetaram ânimo à MPB. Dividido em duas partes, na primeira delas parentes e amigos derramam histórias, lembranças e lágrimas, enquanto a segunda navega pelas ondulações de suas sinuosas melodias, enfocando três temas recorrentes: o Rio, a natureza e o amor.

É um projeto dividido em duas partes. Uma ideia do Nelson. Uma é musical, que dá conta da obra do meu pai. A outra, que ajudei a realizar, conta com depoimentos da minha mãe, da (irmã) Helena e da (viúva) Ana. Nelson fez um grande trabalho de pesquisa musical, algo que representa toda a sua obra destaca Paulo Jobim.

À frente do Instituto Antônio Carlos Jobim, o filho mais velho do maestro cuida, além dos detalhes para a realização do futuro documentário, de todo o acervo físico e digital do maestro, e, é claro, lamenta até hoje a perda do eterno amigo e influência.

Lógico que ele nos faz muita falta, mas uma das coisas boas de quem escreve uma história como a dele é que, depois que a pessoa parte, sobra muita coisa para estudar. Tudo o que ele fez está aí para os músicos. Sua obra continua a influenciar. É claro que seria bom se ele estivesse conosco e compondo novas canções diz Paulo, que mantém o acervo de Dorival Caymmi no instituto e planeja inaugurar uma parte dedicada à obra de Chico Buarque até junho de 2010.

A preocupação com as causas ambientais, uma das bandeiras erguidas pelo maestro, sobretudo no fim da sua carreira, é vista pelo filho como exemplo de sua consciência. Tão fundamentais quanto o legado musical, onde destaca a contribuição harmônica e rítmica talhada ao lado de João Gilberto.

Teve uma espécie de si bemol que foi assinalado por ele e foi estudado posteriormente até em Viena brinca o filho mais velho. Olha, ele já reclamou bastante e fez a sua parte enquanto esteve vivo. Muito do que pensava está escrito em suas letras. Agora nós é que temos que reclamar. Ele está no céu, ou melhor, no mato, em meio aos bichos, como dizia. Está em paz, bem melhor que nós. Acho até que parou de reclamar.

Amigo de longa data, Edu Lobo exalta à preocupação ecológica do compositor.

Falava sobre a Floresta Amazônica, conhecia todos os pássaros que você possa imaginar. Isso tudo antes de as pessoas começarem a falar a palavra ecologia, e antes de ela virar moda. Era uma ligação rica e extremamente profunda.

Nascido na Tijuca em 1927, mas criado em Ipanema, o jovem Antonio Carlos chegou a estudar arquitetura antes de enveredar, sem retorno, no universo musical dos anos 50. Pianista e violonista formado pelo alemão Hans-Joachim Koellreutter, deixou-se levar pela inspiração boêmia dos bares e boates de Copacabana, como o lendário Beco das Garrafas. Datam da época suas primeiras composições, em parceria com Newton Mendonça, como as célebres Desafinado e Samba de uma nota só. Em 1952, o talento e cancha como músico da noite o levou a assinar contrato como arranjador da Continental. Em 1952, assinava obras de Dóris Monteiro, Nora Ney, Orlando Silva e Dalva de Oliveira. Na biografia escrita por sua irmã, Helena Jobim, o maestro descreve o momento em que deixava de lado as noites insones e boêmias para assumir a labuta diurna na companhia de discos. Resolvi mudar de vida, de repente. Para ser bicho diurno, arranjei emprego na Continental Discos. Levava a minha pastinha, com algumas partituras. Alguém cantava uma música, batendo na caixa de fósforo, e eu punha a melodia no papel .

Em 1956, o mais famoso encontro da música popular ganhava forma. Através de Lúcio Rangel, Jobim era apresentado ao poeta Vinicius de Moares, no Bar Gouveia, no Centro do Rio. O poetinha procurava um músico que pudesse musicar a ópera popular Orfeu da Conceição. Do espetáculo, nasce a profícua parceria musical, estopim de clássicos antológicos como Se todos fossem iguais a você. O encontro prenuncia o nascimento do núcleo embrionário da bossa nova. Dois anos mais tarde, a bordo do LP Canção do amor demais (1958), em parceria com Vinicius, e interpretações de Elizeth Cardoso, Jobim assinava os arranjos para as canções, que eram acompanhadas pela batida inusitada do desconhecido baiano João Gilberto. Caracterizariam a bossa nova através das faixas Chega de saudade e Outra vez.

Era um ser humano extremamente espirituoso, uma ótima companhia. Como artista era um gênio, o maior autor de música da segunda metade do século 20 decreta Sérgio Cabral. Acho que esse papo de que ele e Vinicius não aguentariam o mundo de hoje é balela. Estariam aqui firmes, porque entendiam muito bem o mundo. Não eram grande vendedores de discos. Mas quem faz música boa, é claro que a obra permanece. Já quem faz apenas o sucesso, não resiste ao tempo, obviamente. De Guinga, Zeca Pagodinho até Edu Krieger, e todos os que fazem música brasileira de uma forma elaborada, e não apenas espontânea, devem muito ao Tom.

Influenciado por Villa-Lobos e Debussy, o músico uniu às harmonias do jazz elementos típicos da cultura popular nacional. Neste início da saga jobiniana, Sérgio Cabral, então jornalista iniciante recorda detalhes dos primeiros e casuais encontros com o músico na redação e nos estúdios da rádio do Jornal do Brasil.

Aprendi muito com ele, mas entre tudo restou uma frase: Quanto mais velho a gente fica, as moças se tornam cada vez mais belas . Pior que é verdade.

Ao fazer 60 anos, Jobim solicitou ao amigo que tomasse à frente de sua biografia. A partir de então, Cabral assumiu o compromisso que carrega até hoje: o de pesquisar e contar a história do homem e maestro.

Deu muito trabalho conseguir equilibrar o artista criador do ser humano e amigo. São dois personagens absolutamente fantásticos. E se o livro que fiz tem algum mérito é justamente esse equilíbrio de forças.

No início da década de 60, os bares do centro da cidade fervilhavam após o turno de trabalho. Acompanhando o pai no Esplanada, o garoto Edu Lobo era apresentado ao maestro. E lembra nitidamente da cena:

Ele entrava pela porta carregando uma maleta estufada de partituras. Estava compondo a sinfonia de Brasília. Eu era só um garoto, estudava no Santo Inácio. Mas ele era um homem generoso e muito bem educado.

Vinte anos depois, em 1981, entrava em estúdio para para gravar o álbum Edu & Tom. As sessões rendem até hoje lembranças inesquecíveis. Lobo conta que o disco surgiu por acaso. Ambos gravariam apenas uma canção, a ser incluída numa compilação. Ao finalizarem a faixa Pra dizer adeus, Tom queria mais.

As gravadoras tinham o hábito de fazer discos com convidados, faixa por faixa. Quando acabamos a nossa participação, ele reclamou: Só isso? Gravamos Canção do amanhecer e quando terminamos era claro que deveríamos fazer um disco nosso. Nunca fizemos canções em parceria, porque eu escrevia minhas melodias, ele também... Mas esse disco é uma das maiores alegrias da minha vida.

Saltam da memória recordações dos bastidores, que revelam o senso de humor afiado e o comportamento peculiar do maestro.

No estúdio ao lado do nosso tinham uns caras de preto, uma banda de rock gravando. Edu, que engraçado esses garotos com essa música explosiva, todos de preto... E a gente cantando essas músicas tremendamente tristes e morrendo de rir . Ele observava tudo e era muito engraçado lembra. Quando morreu, parecia que a cidade havia perdido um pedaço, como se o Pão de Açúcar ou a Lagoa não estivessem mais presentes. Sua música era profundamente ligada ao Rio e ao país. Um compositor absolutamente brasileiro. Tive a alegria e o prazer de dizer na sua frente, ainda em vida, que ele era o maior compositor de música popular do mundo. Ele ainda ficou meio encabulado... Eu realmente fico impressionado em ver que ele nos deixou há tanto tempo. E mais intrigado em imaginar quantas músicas lindas nós teríamos para cantar se ele ainda estivesse vivo.

Tom interpreta Noel Rosa e Ary Barroso em disco raro

Enquanto o documentário não chega aos cinemas, a Jobim Biscoito Fino brinda os fãs com o relançamento, até o fim do ano, de um álbum raro, Minha alma canta lançado em 1997 pelo selo Lumiar. Nele, um repertório organizado pelo violonista e produtor Almir Chediak (1950-2003) reúne Tom Jobim interpretando canções para songbooks de Noel Rosa, Vinicius de Moraes, Edu Lobo, Carlos Lyra, Dorival Caymmi, Ary Barroso e Chico Buarque.

Idealizado por Ana e Paulo Jobim e sugerido a Chediak, o projeto ganhou edição limitada. No trabalho, Jobim recebe luxuoso acompanhamento de Paula e Jaques Morelenbaum, Chico Buarque, Leila Pinheiro e Gal Costa para entoar uma série de clássicos. Em seus mais de 30 anos de carreira como intérprete raras foram as gravações em que Jobim dá voz a canções que não as suas. A sua última participação nos Songbooks serviu como tributo a um de seus ídolos, Ary Barroso. Cantou Na batucada da vida, uma de suas favoritas, e dividiu com Edu Lobo a faixa Pra machucar meu coração. Seria a última vez que o músico entraria num estúdio.

Ele me disse que, na volta dos Estados Unidos, gostaria de gravar Caco velho, que gostava muito. Infelizmente, morreu antes de voltar. Apesar de ter sido o artista que mais participou dos Songbooks, Tom Jobim me confessou que gostaria de ter gravado muitas músicas de outros autores disse Chediak à época do lançamento do álbum.