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Livro entra no universo das mulheres que se apaixonam por criminosos

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Bolívar Torres, Jornal do Brasil

RIO DE JANEIRO - Condenado por crimes de assassinato, estupro e atentado ao pudor de nove mulheres, Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque, era figurinha fácil nas telas de TV depois de sua detenção, em 1998. Enquanto a sociedade assistia revoltada às explicações do criminoso, que seduzia suas vítimas e as matava a sangue frio, milhares de mulheres passaram a fantasiar com aquele que a opinião pública apontava como monstro . Em poucos dias, o condenado tornou-se campeão de cartas na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, em São Paulo, recebendo pelo correio desde ingênuas declarações de amor a peças de lingerie de admiradoras femininas.

Por mais esdrúxulo que pareça, o episódio não é isolado: no mundo inteiro, psicopatas perigosos viram alvo romântico e objeto de amor platônico, colecionando pretendentes. Intrigado com o caso do Maníaco do Parque, o jornalista e roteirista gaúcho Gilmar Rodrigues partiu a procura de mulheres que se correspondem com condenados a crimes sexuais, numa pesquisa de quatro anos e 100 personagens, entre advogados, administradores e agentes penitenciários, promotores, jornalistas, policiais, juízes, delegados e psiquiatras. O resultado está em Loucas de amor: mulheres que amam serial killers e criminosos sexuais, que tenta compreender a estranha ligação entre assassinos e o desejo feminino.

A primeira reação das pessoas que tomam conhecimento destas histórias é pensar: não tenho nada a ver com isso , nunca vai acontecer comigo . Acham que se trata de uma realidade muito afastada do mundo delas, de que isso só acontece com mulheres malucas e desinformadas lembra o autor. Mas eu quis mostrar no livro de que isso não está distante de ninguém. Está na sociedade, é só ver a fascinação que temos por assassinos nos filmes. Era importante não estigmatizar estas mulheres, que são pessoas normais, sem problemas mentais.

Amor juvenil

Por preconceito, costuma-se associar os casos a mulheres desinformadas, loucas e humildes. Mas as entrevistas de Rodrigues revelam personagens de diferentes classes sociais e culturais. Reproduzindo trechos de algumas das cartas, mostra que o que está em jogo, na maioria dos casos, não é o fetiche puramente sexual, mas sim a fantasia amorosa, quase juvenil. Quanto mais perigoso, sanguinário e sexualmente predador, mais se denvolve uma visão romântica deles.

Figuras femininas intrigantes dominam a primeira parte do livro, dedicada às amantes de Assis Pereira. Entre elas, a gaúcha Marisa Levy (nome fictício), oriunda de uma família de classe média e formada em história, que já na casa dos 60 acabou se casando com o Maníaco (sem nunca tê-lo conhecido pessoalmente), depois de trocar uma série de cartas. Assim como muitas apaixonadas por condenados, Marisa acreditava na conversão total de seu amado. Achava que os mundanos não reconheciam o novo homem que é Francisco , sem se importar com os corpos torturados e sufocados deixados pelo assassino em seu rastro.

Em comum, as mulheres têm baixa auto-estima, foram corroídas e maltratadas pela vida, seja em casamentos mal-sucedidos ou maus tratos na infância analisa Rodrigues. Costumam também ser vulneráveis e muito influenciáveis. Ao falar com algumas, percebi como se deixavam manipular facilmente.

Mas o que leva mulheres a se apaixonarem por homens que maltrataram outras delas? Muitas vêem a possibilidade de mudar a pessoa. Outras gostam da atenção, já que os presos costumam tratá-las como rainhas ( Dentro da cela, é tudo na base de minha deusa, rainha, princesa , diz uma personagem), ou se identificam com sua situação precária ou ainda se excitam da situação do risco. Mas há, também, quem acredite piamente na inocência dos condenados, mesmo com evidências comprovando o contrário.

Por mais que tenha tentado compreender a razão desse fenômeno, nunca procurei respostas. Ao contrário, obtive apenas mais e mais perguntas diz Rodrigues.

A parte mais interessante do livro é a reconstrução dos últimos anos de vida de outro assassino célebre: João Acácio Pereira da Costa, o Bandido da Luz Vermelha. Depois de ganhar o imaginário popular nos anos 60 e cumprir 30 anos de prisão, voltou à cidade natal, Joinville (SC), onde, mesmo destentado e esquizofrênico, ainda despertava paixões. A principal delas era Conceição, 59 anos, que não tem vergonha de confessar suas fantasias por Luz Vermelha na frente do próprio marido. As figuras do interior de Santa Catarina, assim como as circunstâncias estranhas da morte de Acácio (que em seus últimos dias corria nu pela praia uivando para a lua), garantem momentos tragicômicos.

A árdua pesquisa (o acesso a prisão é difícil e muitos entrevistados exigiam pagamento) renderam uma espécie de making of em quadrinhos, ilustrado pelo desenhista Fido Nesti, colaborador da New Yorker

As tiras contam as minhas experiências diz Rodrigues. É algo mais pessoal, que não cabia no texto e que ganhou um teor mais leve nos quadrinhos.