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Poemas de Bruna Beber traduzem descompromisso da juventude

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Bolívar Torres, Jornal do Brasil

RIO - A poeta fluminense Bruna Beber por muito tempo conviveu com o rótulo de sensação da internet. Hoje aos 25 anos, ela era editora dos blogs Bife Sujo e Cutelaria quando seu livro de estreia, A fila sem fim dos demônios descontentesítulo tirado de uma pichação do viaduto da Perimetral), chegou às livrarias em 2006, reunindo cinco anos de trabalhos espalhados pela web. Rock'n'roll, samba, paixões, conquistas e desilusões se juntavam livremente na diversidade formal e temática da coletânea. Agora, em Balés, seu segundo livro, Bruna volta com um conjunto mais conceitual e homogêneo.

Balés deu muito mais trabalho de escrever explica a poeta, que atualmente escreve para o blog Mídias Virgens & Condessa Buffet (https://didimocolizemos.wordpress.com). É um livro mais lírico, mais musical, com uma linha definida. Tive que me preocupar em fazer uma amarração .

Quando mudou-se para São Paulo, há dois anos, a poeta nascida em Duque de Caxias e criada em São João do Meriti já tinha o esqueleto do livro, com os principais poemas prontos. Aos poucos, foi acrescentando alguns e reescrevendo outros mais antigos, até se dar conta de que podiam formar um conjunto coerente.

Benito di Paula é lembrado

O diálogo com a música popular é o que melhor amarra os poemas da coletânea. Criada numa família fascinada por música, a poeta (que escreve desde os 10 anos) passou a infância atenta aos mais diferentes gêneros, do samba de raiz à canção brega (em casa, a avó escutava Roberto Carlos e Benito di Paula; a tia mais nova, Titãs e bandas dos anos 80; e o pai, bossa nova). Ela própria admite a influência de compositores como Neil Young, Tim Maia e Tom Waits, entre outros, em seus versos. Mas diferentemente de Fila sem fim dos demônios descontentes, no qual se encontravam referências a Angela Ro Ro ou Aretha Franklin, há apenas uma citação musical explícita no novo trabalho ( Te espero embaralhada/ em retalhos de cetim/ com Benito di Paula , trecho do poema Fevereiro).

Não sentei e pensei: vou fazer um livro assim explica. As coisas foram acontecendo. Foi só quando comecei a gravar meus poemas que fui percebendo sua musicalidade.

Os poemas se dividem por nomes de meses (Janeiro), artigos femininos (Porta-joia, Broches, Caixinha de música), lugares (Barão, Rua da passagem, Galerie) ou objetos que envolvem o ar (Paraquedistas, Dirigível do amor, Poema para encorajar hélices).

Se em seus primeiros versos, Bruna parecia tateando em busca de diferentes formas e expressões, em Balés ela encontra uma voz que lhe satisfaz plenamente. Sua economia verbal, em tom menor, sintetiza a filosofia descompromissada de uma juventude que virou as costas para grandes projetos de vida.

Aqui, as obrigações sociais são abandonadas por um flerte na rua ( Resumindo o mundo e a vida a uma arquitetura demolida/ por uma paixão a primeira vista ) enquanto o desejo de controlar as decisões do destino é ironizado em Rifa ( É muito grave fazer plano/ pra amanhã/ quando nem sei o que comi/ ontem ). Sobre a própria criação literária, uma apologia charmosa da preguiça, no melhor estilo escrevo-quando-dá-na- telha ( É preciso trabalhar/ ora, mas que trabalhar/ que nada/ quero mais me arranjar/ nos cobertores/ de alguém ). Os versos desfiam um delírio doce-amargo. Como numa bossa nova, o prazer é fugidio e parece dissolver-se no ar.

Sentimento complexo resumido pelas palavras do Paulicea desvairada de Mario de Andrade, que a poeta escolheu como epígrafe: E dizem que os polichinelos são alegres! :

É engraçado porque li muito Oswald e Mario de Andrade, mas nunca tinha lido Paulicea desvairada lembra Bruna. Já estava fechando o livro quando cai neste poema, que resume muito o que eu queria dizer. É esta obrigação com a alegria que se contrapõe aos momentos muito tristes que todos vivemos, e que aparece nos meus poemas numa melancolia contida.

Internet aproxima escritores e público, defende a poeta

Em A novíssima literatura, poema de seu primeiro livro, A fila sem fim dos demônios descontentes, Bruna Beber resumia suas ambições literárias em um delicioso e auto-irônico manifesto, que fazia pouco caso da consagração canônica. Você quer um dia/ ser estudado/ numa sala de aula qualquer/ por uma turma de pirralhos/ que vão zoar suas roupas hoje modernas/ falar que o que você escreveu é chato pra caralho/ fazer chifrinho na sua foto de interrogação . De que adianta se trancar no quarto em busca da grande epopéia do século? interrogava-se a poeta, trocando o sofrimento da criação pelo hedonismo descompromissado: Queria morrer antes/ comendo caramelos/ a estranha paixão de Hitler/ caramelos .

Dois anos depois da publicação do livro, porém, Bruna teve poemas incluídos em Traçados diversos, uma antologia de poesia contemporânea da editora Ática que ganhou os programas escolares. Ao contrário do que planejava, a artista acabou virando tema de estudo nas salas de aula. Só que, graças à internet, em um contexto bastante diferente daquele imaginado no poema.

Outro dia recebi um e-mail de um garoto de 15 anos que tinha me lido no colégio lembra a autora. A professora usou um poema meu num trabalho. Ele gostou e me escreveu dizendo que passou a pesquisar outros poemas no meu blog. É o tipo de diálogo que nunca aconteceria na época em que eu estava no colégio e tinha que aprender autores mortos aos 13 anos, sem entender nada. Hoje se estuda o poeta enquanto ele está vivo, sabendo o que ele está fazendo nesse momento.

Para Bruna, as pontes criadas com a internet acabaram com a perspectiva fechada e inacessível do escritor. E não apenas na relação com os alunos escolares. Os poetas surgidos depois do boom da internet, e que começaram a publicar mais ou menos no mesmo período Angélica Freitas, os Sete Novos, Ismar Tirelli Neto, Alice Sant'Anna estreitam relações usando as redes sociais. Nem é preciso mais preencher as estantes das livrarias para existir .

Uma das coisas que caracteriza nossa geração é a predisposição para a troca diz. As pessoas fazem contato entre si enquanto escrevem, e republicam o trabalho um do outro. A internet acabou com a visão de gueto, da poesia restrita a salas e centros culturais. Todo mundo está cada vez mais pesquisando e lendo poesia; as pessoas podem ler o que quiserem e pesquisarem mais seus autores preferidos.