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Documentário é feito entre busca frenética por imagens de Raul Seixas

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Ricardo Schott, Jornal do Brasil

RIO - Mergulhado na vida de Raul Seixas há dois anos, quando recebeu o convite do produtor paulista Denis Feijão e da AF. Cinema e Vídeo, do produtor Alain Fresnot, para documentar a vida do roqueiro baiano no longa O início, o fim e o meio, o cineasta Walter Carvalho corre para aproximar a data de seu lançamento dos 20 anos de morte do coautor de Gita, que se completam nesta sexta-feira sua previsão é de que o filme esteja nos cinemas no começo do ano que vem. Lidando com um personagem que veio de uma era pré-DVD e cuja carreira combinava momentos de ultraexposição com períodos de longos sumiços, Carvalho ainda precisa vencer a barreira do parco material filmado que há sobre o cantor.

Estamos inclusive pedindo a quem tiver fotos ou filmes do Raul em casa que mande para a produtora (www.afcinema.com.br) explica Carvalho, acostumado a lidar com os grandes vazios na carreira de Raul. Depois de 1983, por exemplo, o Raul ficou muito dependente do álcool e parou com os shows. É uma era em que quase não se acha nada dele.

Da Bahia aos EUA

O início, o fim e o meio ajuda a diversificar mais a produção de Carvalho, que se iniciou como assistente de direção de um documentário dirigido pelo irmão Wladimir, O país de São Saruê (1971), e que, recentemente, visitou a sofisticação da obra de Chico Buarque em Budapeste, filme baseado no livro do compositor. Ele explica não ter tido uma relação de fã com o astro.

Nos anos 70 eu ouvia mais MPB. Mas não tem como passar despercebido pelo Raul afirma o cineasta que, uma vez com a história nas mãos, tratou de diversificar o assunto, convidando inclusive o próprio Caetano Veloso, rival de Raul e de sua banda Os Panteras, na polarização rock-bossa da Bahia, nos anos 60. Procuramos passar por todas as principais pessoas que tiveram contato com ele, fizemos mais de 90 entrevistas.

Tomando o nome do filme como modelo, as entrevistas partiram da capital da Bahia, onde Raul nasceu, e seguiram para os Estados Unidos. Em Salvador, contaram com uma coprodução local, comandada pelo cineasta Felipe Kowalczuk. Que, além de recuperar um material raro em Super-8 do cantor (em shows com os Panteras, sua primeira banda, e até em seu primeiro casamento), pôs-se a correr atrás de personagens históricos para o próprio rock brasileiro, como o irmão de Raul, Plinio Seixas, e o agitador cultural Waldir Serrão, conhecido como Big Ben.

Ele e o irmão começaram juntos, mas o Plínio desistiu da carreira artística recorda Kowalczuk, fã de Raul, que se chocou ao encontrar Serrão. Ele foi um grande agitador do rock na Bahia e hoje está com problemas de saúde, pobre, morando no subúrbio. Quando começa a falar, você vê que ele se transforma imediatamente naquele personagem que era o Big Ben. Fica um retrato triste de como o Brasil trata seus artistas.

Mentor da Oto fala

Já nos EUA foram procurados a ex-mulher Scarlet Seixas, que hoje usa o esotérico nome de Sky Keys, a filha dos dois, Scarlet, e o único neto de Raul, Dakota, de 13 anos; além da filha mais velha, Simone Seixas e do ex-parceiro e ex-cunhado (irmão de Scarlet) Gay Vaquer, que tocou guitarra em discos como Krig-Ha Bandolo! (1973) e dividiu algumas parcerias. Apenas Edith Wisner, primeira mulher do cantor, também americana, não pôde gravar, por problemas de agenda.

Para nós foi uma conquista tê-las no filme. Pouca gente até hoje falou com elas, que são fundamentais para entender o Raul além do sexo, drogas e rock'n'roll relata Denis Feijão, que, programando o roteiro ao lado de Carvalho e do roteirista Leonardo Gudel, adianta surpresas para quem quer conhecer o lado místico de Raul. Nós conseguimos encontrar o mentor do Raul na Oto (Ordo Templi Orientis), uma das sociedades das quais ele fez parte. Nos anos 70, o Raul promoveu uma espécie de casamento satânico dele com a Gloria e até fez uma produção em filme, que pode ser vista no YouTube. Essa faceta dele estará no longa.

No Rio e em São Paulo, lugares dos quais Carvalho e Gudel cuidaram pessoalmente, foram procurados músicos, amigos, ex-mulheres (como Kika Seixas e Tania Menna Barreto), produtores e parceiros de Raul, como Claudio Roberto (letrista com quem dividiu o álbum O dia que a Terra parou, de 1977, que continha Maluco beleza), Marcelo Nova, Roberto Menescal e Mazzola (que, atualmente, cuida do lançamento do kit DVD-CD 20 anos sem Raul Seixas, que contém a inédita Gospel).

O Mazzola falou de um momento emocionante. Contou sobre quando Raul ganhou uma grana com seu primeiro disco e, para impedir que ele gastasse tudo, comprou logo um apartamento para ele. Foi a primeira vez que Raul teve uma casa própria, ele chegou a chorar abraçado ao Mazzola recorda Gudel, que, claro, falou também com Paulo Coelho, maior parceiro do cantor. Vai ser uma surpresa para os fãs. Nosso objetivo foi traçar uma genealogia do Raul.

Consultor do filme e amigo de Raul, Sylvio Passos, presidente do Raul Rock Club (primeiro fã-clube oficial do ídolo), não esconde: está ansioso para curtir o rock de seu mestre na tela.

Conseguimos as imagens do Festival de Saquarema, de junho de 1976, junto ao Nelson Motta, que produziu o evento. Tem até o Gay Vaquer, que tocava com ele, vestido de diabo recorda. O Mazolla emprestou um Super-8 em que o Raul grava Eu também vou reclamar no estúdio da Philips (hoje Universal) em 1976. É um clima quase Frank Zappa, o Raul espalha papel higiênico e cabeças de boneca pela sala, super-anárquico. Mas o principal do filme nem é esse lado doidão, é o do artista preocupado com o cidadão e com o futuro.