Leandro Souto Maior, Jornal do Brasil
RIO DE JANEIRO - Bethânia não abre mão. Já trocou tudo quanto é gente de sua equipe a cada nova turnê, mas a uma pessoa sempre garantiu lugar cativo: o maestro Jaime Alem, seu braço direito para tudo quanto é assunto relacionado à música já há 25 anos. Tanta exclusividade, um dia, causou claustrofobia, e o músico deu uma fugida da sombra da intérprete para estrear seu primeiro voo solo em 44 anos de carreira. Bethânia, porém, não deixa o fiel escudeiro muito longe nesta escapada: participa do show de lançamento de Dez cordas do Brasil (Repique Brasil), na próxima terça-feira, no Oi Casa Grande.
É tanta intimidade que tudo poderá acontecer quando ela adentrar o palco prevê o músico. Preparamos duas canções, Tristeza do Jeca e De papo pro ar, mas temos um repertório imenso em comum que outras músicas poderão sair na hora, dependendo do clima do momento.
Bethânia, que não é boba, logo viu em Jaime Alem um prodígio, que aos 16 anos já dedilhava com destreza sua viola caipira na cidade de Jacareí, no interior paulista. A parceria do maestro com a cantora rendeu os mais de 15 discos nos quais assina produção e direção musical.
Quando nos conhecemos, era uma relação apenas profissional, mas hoje somos muito amigos, estamos sempre promovendo serestas na casa dela, em Santo Amaro (da Purificação), na Bahia, ou aqui no Rio. Ela se amarra, e está sempre perguntando: Jaime, cadê a violinha? conta Alem.
A intérprete devolve, com intimidade.
Este meu velho amigo é um dos grandes maestros da música brasileira elogia Bethânia. Sinto nele uma grande alegria quando peço alguma coisa ligada à moda de viola.
Ela delega mesmo
Como em praticamente toda relação, tamanha proximidade, normal, gera atritos. Quem já assistiu à cantora em momentos espontâneos, como nos extras do DVD Outros (doces) Bárbaros, sabe que seu temperamento tempestuoso pode aflorar mesmo depois de um acorde perfeito maior.
A Bethânia é assim mesmo, ela delega, mas mete o dedo revela o maestro. Diz que não gostou de uma introdução, pede para encurtar um trecho, ou quer um pouco mais de notas em outra parte. Nesses anos rolou muita briga, daquelas que só o tempo conserta. Quando se está criando e uma ideia empaca é normal rolar discussão, e às vezes as coisas entre a gente fica feia mesmo. Quando nossa opinião não bate, ora eu cedo e ora é ela quem dá o braço a torcer. No final, é uma parceria bacana. O legal entre a gente é que eu consigo traduzir muitas de suas ideias, que ela musicalmente não consegue.
Para este atrito não ir além (sem trocadilho) das fagulhas naturais da convivência, Bethânia, claro, também tira seus períodos de descanso. Nem assim Alem conseguia emplacar seu projeto solo, requisitado que era por Mart'nalia, Elba Ramalho, Sueli Costa e outros artistas que não podiam ver o maestro dando sopa.
Toquei muito em baile, no interior de São Paulo, e depois no Rio também. Convivia com todo tipo de músico, do samba ao jazz e rock lembra. Graças a isso, transito bem com artistas de qualquer gênero musical. Mas, apesar de tantos trabalhos relacionados à música brasileira, minha preferência é mesmo o rock. Meus maiores ídolos são os Beatles e os Rolling Stones, toco tudo deles.
Se surpreende tal declaração do músico que empunha seu violão no palco destrinchando os intrincados arranjos das modinhas e bossas de Maria Bethânia, outra parte de sua biografia pode chocar ainda mais.
O grupo infantil Os Abelhudos (sucesso na década de 80 com a música O dono da Terra) é uma ideia minha orgulha-se. Não tinham sequer nome, e na época o Kid Abelha e o Menudo eram os grupos de maior sucesso. Lembro como se fosse hoje o dia que a inspiração de misturar os nomes dos dois grupos surgiu, na sala da casa do pianista Jota Moraes. Compus um monte de músicas para o repertório deles, e que até hoje considero muito boas.
Além (sem trocadilho novamente) de todas essas frentes, Jaime também escreveu diversas trilhas para o cinema (2 filhos de Francisco) e teatro (Três irmãs).
Eu sou quase um workaholic nato. Só está faltando ter um estresse violento para ser isso, mas tomara que não chegue a tanto.
Tem mais: ele assina o projeto Três meninas do Brasil, que juntou as cantoras Jussara Silveira, Teresa Cristina e Rita Ribeiro. No palco para o lançamento do CD, além de Bethânia, recebe também sua mulher, a cantora e parceira musical de anos Nair de Cândia.
Gosto de trabalhar com mulheres, acho que por ter uma mulher cantora. A mulherada está mesmo em profusão na minha vida.