Macksen Luiz, Jornal do Brasil
RIO - O romance de Herman Melville é uma aventura inesgotável de possibilidades interpretativas, inclusive cênicas. O diretor Aderbal Freire-Filho integra o teatro como mais uma das possibilidades de ler o percurso do capitão Ahab e seu destino ligado à baleia branca.
A obsessão com que Ahab conduz sua tripulação até ao encontro do cachalote que roubou bem mais do que sua perna, e que para Starbuck, um dos seus subordinados, apenas exerceu seu instinto, liga, indissoluvelmente, o capitão à sua presa, que se defrontam no mar revolto da animalidade humana.
A grandeza e a pequenez de ambos se medem na construção da trajetória de um até se confrontar com o outro, numa batalha de vida conduzida pela morte. A baleia, que dimensiona a força do homem por suas múltiplas fraquezas, pode significar uma narrativa de aventura, ou ser objeto de especulações literárias e investidas teatrais como a atual, em cartaz no Teatro Poeira.
Aderbal Freire-Filho, de certo modo respaldado por experiências anteriores com seus romances-em-cena , nos quais transcreve, com integridade literal, narrativas literárias, captura Moby Dick com acréscimos ocasionais de outros textos. As mudanças são apenas de ajuste, já que o eixo permanece o mesmo na exposição do literário sob perspectiva de um jogo teatral com alternância de climas dramáticos. Se o humor pode ser recurso em comunicação científica, a poética, expressão da rudeza de baleeiros, por que não os embates de Ahab e Moby Dick não podem ser representados por um único ator? É desta interseção de atmosferas que o diretor constrói sua teia de intencionalidades, traduzindo em quadros camerísticos a extensão da palavra escrita.
Como saltimbancos-tripulantes do barco Pequod, os atores se distribuem no tablado-nau com suas caixas de utensílios cênicos-náuticos (livros, máscaras, adereços) de onde surgem intérpretes-arpoeiros com a missão de acompanhar Ahab até o confronto definitivo. São cômicos, algumas vezes, arrebatados quando instigados, amedrontados diante do constante perigo, acólitos de um ritual ensandecido, narradores de aventura clássica. Aderbal consegue criar essas pulsações humanas, num permanente desmonte das cenas, capazes de mudar de clima com a agilidade e tensionamento de uma viagem por mares agitados.
A cenografia de Fernando Mello da Costa e Rostand Albuquerque se integra à concepção do diretor, bem coadjuvada pela luz de Maneco Quinderé e os figurinos de Kika Lopes. A música de Tato Taborda sublinha a ação com precisos contrapontos. Isio Ghelman imprime maior discrição à sua interpretação. Orã Figueiredo e André Mattos têm participações que exploram o melhor de seus temperamentos para o humor. Chico Diaz desenha Ahab através de conformação física, que alcança a imagem poética na luta com os cachalotes.