Luiz Felipe Reis, Jornal do Brasil
RIO - Principal marco na transformação estética que a fotografia do cinema brasileiro atravessou a partir da década de 50 quando deixa de assimilar padrões estrangeiros em nome de um tratamento de viés realista, se aproveitando das condições naturais de iluminação Hélio Silva (1929-2004) ganha, no CCBB, mostra com 27 filmes, até 2 de agosto; um livro-catálogo com depoimentos, fotos e entrevistas inéditas; além de um rico debate sobre sua obra: Hélio Silva e o domínio da luz marcado para esta terça-feira, às 19h30, e com presença do cineasta-referência para o Cinema Novo, Nelson Pereira dos Santos.
Nos conhecemos enquanto assistentes, cada um na sua área, em 52. E logo surgiu uma camaradagem que nos levou a trabalhar juntos conta o cineasta e acadêmico. Hélio tem participação fundamental na evolução da fotografia e da cenografia. Era um supertécnico, com soluções rápidas e eficientes. Um inventor, que sabia improvisar e propunha movimentos que eram sempre novidade.
Surgido numa época em que o país repensava todo seu processo de modernização, que atravessa a política, com Juscelino Kubitschek; passando pelas artes, com as sementes que fariam vingar o Cinema Novo e a bossa nova, a presença de Hélio se impõe como um marco de mudanças significativas. Discípulo do papa da fotografia Edgar Brazil, iniciou sua carreira em Agulha no palheiro, de Alex Viany, em que trabalhou como segundo assistente. A experiência lhe rendeu um encontro com Nelson Pereira dos Santos parceria responsável por obras seminais como Rio 40 graus, de 1955.
Agulha... era um filme independente do Alex. E ali, junto com o Nelson, Hélio começou a pensar um novo tipo de fotografia comenta o curador Eduardo Ades.
Influenciados pelo neorrealismo italiano, a partir de então Hélio passa a sintetizar mudanças fundamentais no campo da imagem, enquanto Nelson trabalha a concepção dramatúrgica, a armação da cena. Considerado o fotógrafo da época, foi e ainda é reverenciado por todos que surgiram na esteira do Cinema Novo, como Walter Carvalho, Luiz Carlos Barreto, entre outros. Após Rio 40 graus e Rio Zona Norte (1957), assinou longas de Roberto Pires (Redenção, A grande feira, Tocaia no asfalto), Roberto Santos (O grande momento, A hora e a vez de Augusto Matraga) e Braz Chediak (Navalha na carne).
Ele fotografou todos os filmes que marcaram a época. Cobriu os três importantes polos de produção cinematográfica do Brasil: Rio, São Paulo e Bahia analisa Ades.
Hélio Silva não se empenha em criar ou definir um novo paradigma estético para a fotografia do cinema nacional. Sua maior contribuição é aceitar as condições naturais de iluminação do país. Assim, abre uma janela de possibilidades criativas para a imagem e descarta o padrão estabelecido pelo célebre fotógrafo mexicano Gabriel Figueroa.
Usava iluminação de forma expressiva, enquanto a maioria dos fotógrafos tendia a lutar contra a força da luz lembra o curador. Produtoras, como a Vera Cruz, tentavam equilibrar ao máximo, com refletores pesados. Mas o resultado era uma imagem muito rebuscada. Hélio rompe com essa tentativa, abole o contraluz bem marcado e aceita que a luz estoure, com seus claros e escuros bem definidos. Ele não impõe um novo modelo ou padrão imagético a ser perseguido. Abre as janelas para as invenções do Cinema Novo, que aparecem em obras como Vidas secas (1963), Os fuzis (1964), Deus e o diabo na terra do sol (1964).
Nascido em Minas Gerais, o fotógrafo chegou ao Rio na metade do século passado. Com o auxílio de um amigo, se engajou para conseguir um emprego no laboratório de sonorização da Companhia Industrial Cinematográfica, onde realizou uma série de funções. Numa época em que não havia escola ou cursos de cinema, aprendeu tudo sozinho ou melhor, na marra.
Ele foi completamente autodidata. Estudou direito e química antes de ingressar no cinema. Algo que surgiu por acaso em sua vida, quando um amigo o indicou para uma produção. No laboratório de som, aprendeu sobre negativos, técnicas de finalização. Foi a sua grande escola. Dali, ele saiu para trabalhar como assistente do diretor de fotografia argentino Mario Pagés. Até deslanchar sozinho.
Numa mostra em que a seleção de filmes não se concentra nas obras de um diretor ou ator, mas num técnico, a curadoria não exibirá apenas títulos consagrados. Para formatar um painel a partir de obras tão distintas, a mostra está dividida em nove blocos: Realismo urbano, Diante da luz do sertão, O preto-e-branco suave das cidades, O preto-e-branco áspero das tragédias, As primeiras experiências em cor, A profusão de cores da comédia erótica, A luz dramática dos filmes policiais, Algumas experiências isoladas na década de 1980 e O olhar documental.
É difícil construir uma unidade numa obra tão vasta. Num mesmo bloco temático, existem confluências e diferenças explica Ades. Seus filmes clássicos, como o rústico Rio 40 graus e o mais rebuscado Rio Zona Norte, foram os mais influentes. Diferentemente do ocorrido em seus trabalhos com a pornochanchada, na qual a fotografia é menos expressiva. A grande marca de seu trabalho era a busca pela simplicidade. Filmes como A dívida da vida (1992), de Octávio Bezerra, mostram isso. Em vez de alugar um caminhão de luz, ele se contentava com um carrinho. Trabalhou muito com documentário e deixou um legado nas questões de direção de luz, cor e contraste.