ASSINE
search button

Um paralama no retrovisor

Compartilhar

Daniel Schenker e Ricardo Schott, Jornal do Brasil

RIO DE JANEIRO - Herbert Vianna revê sua vida e obra em documentário de Roberto Berliner, premiado no Festival de Paulínia, e recorda as marcas profundas do acidente de ultraleve em 2001

Herbert Vianna se refere à Favela da Maré como uma megabomba lacrimogênea na minha alma, mas uma bomba do bem . A referência não é gratuita. A favela, citada em Alagados, uma das letras mais conhecidas dos Paralamas do Sucesso, despontava todos os dias diante de Herbert, quando seguia para a faculdade de arquitetura da UFRJ. Lembranças intensas como essa emergem com força em Herbert de perto, documentário de Roberto Berliner e Pedro Bronz que ganhou o prêmio de Melhor Direção e muitos aplausos do público no 2º Festival Paulínia de Cinema, encerrado na última quinta-feira no polo cinematográfico construído no interior de São Paulo. A estreia no circuito está prevista para 9 de outubro.

Apesar de confrontarem Herbert com o próprio passado, Berliner e Bronz não investem no saudosismo. O grave acidente de ultraleve sofrido pelo cantor e compositor, em fevereiro de 2001, que o deixou paraplégico e causou a morte de sua mulher, Lucy Needham, surge, claro, como um divisor de águas.

O acidente gerou uma ebulição emocional. Cada um teve uma experiência diferente ao entrar no quarto de Herbert depois que ele saiu do coma. Lembro-me que fui visitá-lo e ele disse apenas E aí, Robertinho? recorda Berliner, que capta imagens dos Paralamas e de seu vocalista desde a primeira metade dos anos 80. Nos conhecemos no Circo Voador, que na época era uma utopia que congregava teatro, dança e todos os gêneros de música.

Herbert, que assistiu ao filme com os filhos, alegrou-se por não ter visto sentimentos de dor e de frustração neles ao olharem as imagens da mãe. Quando Lucy morreu, Luca, Hope Izabel e Phoebe Rita tinham 8, 5 e 1 ano, respectivamente.

Para mim, foi significativo ver o entusiasmo deles com relação ao trabalho do pai explica o cantor ao Jornal do Brasil, que, seguindo o clima de volta ao passado, experimentou levar os filhos pela primeira vez à cidade onde nasceu, João Pessoa (PB), recentemente. Eles ficaram encantados com a terra, com a luz, com as praias, com tudo. A Hope até me pediu para não passar mais férias na Europa, só lá. Penso até em fazer uma canção sobre isso.

A parceria com Herbert, Bi Ribeiro e João Barone começou quando Berliner assumiu a direção de clipes, como Alagados, em 1986, gravado na Vila Mimosa e no Morro de São Carlos..

Aos poucos, me aproximei dos três, em especial de Herbert conta o diretor. Depois ele me apresentou a Lucy. Lembro até que foi no dia que Collor avisou que iria confiscar as poupanças.

Em Herbert de perto, Berliner e Bronz mostram que o início da década de 90 foi um período complicado para o rock nacional. No caso dos Paralamas, representou transição e continuidade.

Várias bandas surgiram no começo dos anos 80, mas muitas não se mantiveram avalia Berliner. O Paralamas gravou Bora-bora (1988) e Big bang (1989), que não aconteceram na hora. Mas já havia lá uma característica da década de 90: a fusão de ritmos. Também foi um momento em que Herbert resolveu radicalizar com trabalhos fantásticos e mais conceituais, que foram Os grãos (1991) e Severino (1993).

Para ajudar a transpor o percurso de Herbert e dos Paralamas para o longa, Berliner convidou outro fã do grupo, Pedro Bronz, para dividir a direção.

Na adolescência vi muitos shows deles, até o do Rock in Rio. Quando Berliner me chamou para fazer o filme, mergulhei no arquivo da TV Zero relata Bronz, citando o material estocado na produtora de Berliner, essencial na reconstituição da trajetória de Herbert.

Diretor que acumulou experiência em documentários como A pessoa é para o que nasce (2005) e Pindorama A verdadeira história dos sete anões (2008), Roberto Berliner parte agora para o terreno da ficção. Vai filmar Senhora das imagens Nise da Silveira, centrado, como o título indica, na psiquiatra que revolucionou o tratamento de pacientes esquizofrênicos através dos ateliês de pintura e modelagem, já abordada no belíssimo Imagens do inconsciente, de Leon Hirszman.

No roteiro, Nise (1906-1999), aos 80 anos, evoca a fase em que tinha 40, quando começou a cuidar dos pacientes por meio da arte diz Berliner, que conheceu Nise pessoalmente. Tive dois rápidos contatos com ela no Circo, no chá de sua amiga, dona Zoé Chagas Freitas.

Herbert, por sua vez, anima-se com a recente onda de documentários sobre rock nacional ainda que não tenha podido assistir a Titãs A vida até parece uma festa e Lóki, sobre Arnaldo Baptista.

Isso é simbólico, porque o rock nacional fez crônicas muito boas do dia a dia. Veja só os gritos de guerra do nosso rock: Inútil, Que país é esse?. Isso tem que ser documentado afirma o cantor, ainda sem acreditar no êxito que Herbert de perto alcançou no festival. Não tenho nem subjetividade para alcançar essa ideia ainda. Mas ao ver o filme me senti num vulcão de boas lembranças, me comovi bastante. Para nós, todas as conquistas têm um cunho de celebração muito forte.

Após a fatalidade, vigor de sobra nos discos

Oito anos depois do acidente, os fãs podem ter certeza de que Herbert Vianna, assim como acontecera com o mutante Arnaldo Baptista, está buscando a cura pela música, e para a música. Um feito notável e algo inimaginável logo após a queda de ultraleve amplamente divulgada pela imprensa e acompanhada com apreensão pelos fãs. A expressão dura do trio na capa de Longo caminho (2002), primeiro disco gravado após a reviravolta na vida de Herbert, em 2001, impressiona se comparada à imagem alegre e inocente dos Paralamas no Rock In Rio, em 1985. E dá a entender que viriam tempos difíceis. Até mesmo a boa qualidade do disco concebido antes do acidente poderia ser mau negócio se comparada ao que viesse depois, mas o que importava na época era que os PdS vinham com grandes canções, como a faixa-título, a balada Cuide bem do seu amor (que não fugiu à tradição do grupo, onipresente em trilhas de novelas desde o começo da carreira, e foi parar no disco da trama global Sabor da paixão) e o peso ligado a The Who de Soldado da paz, gravada antes em versão chinfrim pelo Cidade Negra. Era algo redentor. Assim como o disco ao vivo que viria na sequência, Uns dias (2004), a prova de que, com o grupo refeito da fatalidade, havia vigor de sobra.

Em seguida veio Hoje (2005), primeiro disco com composições posteriores a 2001. Razoável, o CD é dividido em repetições de fórmulas (como o próprio single 2A, único hit de fato do álbum, que soava parecido demais com músicas antigas como Pólvora) e alguns tiros certeiros. A comover os fãs, as novas (e dolorosas) experiências do guitarrista, em versos como Não quero estar neste lugar/e ver você partir (De perto) e Te peço calma para que eu absorva tudo/que eu aprenda enquanto sofra/te peço um tempo pra concatenar cada elemento (Hoje). Se houve alguém que, desde o começo de carreira, teve de aprender a fazer pop em condições adversas, foi Herbert Vianna e nunca sua capacidade de superação iria lhe servir tanto.

A excursão com os Titãs, a partir de 2008, renderia um CD e um DVD conjunto e seria redentora para o grupo raro espécie dos anos 80 a não sustentar a longeva carreira á base de discos burocráticos e acústicos. E seria seguida de um sopro de vitalidade na obra dos PdS, Brasil afora (2009). A fórmula que o grupo desenvolveu está lá, mas sem repetições (como nos bons metais que abrem a bela Meu sonho). Herbert convida velhos amigos como Liminha, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brownpara ajudá-lo a criar o repertório do CD, e atinge bons resultados, como o ótimo single com A lhe esperar (Liminha/Arnaldo Antunes).