Mario Marques, Jornal do Brasil
MIAMI - O embarque é imediato. Lilia Cabral passa os olhos em blogs e sites em busca da (boa) repercussão de Divã, a comédia que pôs a atriz de teatro e TV na roda magnética do cinema e levou às salas cerca de 2,7 milhões de espectadores. Lilia corre porque está a alguns momentos de pegar a van que vai carregá-la ao aeroporto de Miami de volta ao Brasil. Retorna depois de seu filme ser aplaudido de pé no Colony Theater, ganhado o Prêmio do Júri Popular no Brazilian Film Festival of Miami (pedaço americano do Circuito Inffinito de Festivais) e de ter dado autógrafos nas ruas como se estivesse em São Paulo. Foi mesmo uma comédia no melhor dos sentidos. Botou americano para rir, tal qual no Brasil. O que é um alívio para os cineastas que nada orgulhosamente pensam nessa trilha. Num mercado agora de grandes possibilidades, construído a pauladas nos últimos anos e consolidado com a franquia Se eu fosse você (cujo segundo longa alcançou 5,3 milhões de pagantes) e títulos como A mulher invisível (que acumula 550 mil espectadores em 10 dias), Lisbela e o prisioneiro (3,1 milhões, 2003), Os normais (2,9 milhões, 2003), Sexo, amor e traição (2,2 milhões, em 2004), A grande família (2 milhões em 2007), o gênero dá filhotes. O (ótimo) curta Sildenafil, de Clovis Mello, e o longa Embarque imediato, do novato Allan Fiterman, exibidos pela primeira vez em Miami para uma plateia mixada entre brasileiros e americanos, mostram que a indústria brasileira de fazer rir ainda está só no começo.
A história de Wagner, garotão pobre e sonhador (Jonathan Haagensen) que tenta a todo custo ir a Nova York e ganha a ajuda (e por vezes o amor) de Justina (Marília Pêra) tem alguns problemas no roteiro: o perfil dos personagens não se cristaliza. Mas exibe, pela força de interpretação da atriz, boas chances de emplacar mais uma bilheteria de respeito. Aos 36 anos, o paulista Allan Fiterman já tem bastante café no bule. Hoje lotado nos corredores da Globo, onde dirige a série Tudo novo de novo, que tem texto de Licia Manzo e supervisão de Maria Adelaide Amaral, Fiterman é um cara de cinema. Entre suas empreitadas fora do Brasil, onde estudou e dirigiu em Miami e Los Angeles nos últimos 11 anos, está o filme Living the dream, com Sean Young, Christian Schoyen e Danny Trejo. O exercício da comédia correu apenas no teatro.
Embarque imediato já tinha passado pelas mãos de Jorge Fernando, que não pôde assumir o filme por conta de outros projetos que já tinha firmado lembra Fiterman, amparado pela Europa Filmes e que entregou a cópia depois de cerca de R$ 2 milhões de custos. Existe, sim, um mercado de comédia no Brasil. Meu filme é uma fantasia, uma brincadeira, é descompromissado. Queremos que as pessoas saiam leves da sala.
Quem trabalha sob as orientações de Fiterman diz que a abordagem leve que está presente em seu longa de estreia também é visível nos sets que o diretor comanda, seja no cinema ou na TV.
O Allan conduz com inteligência e muito, mas muito humor, o set de filmagem, transformando exaustivos dias de gravações em grandes diárias regadas a inspiração e risada derrete-se o ator Marco Ricca. Ele é um desses raros jovens diretores que aliam conhecimento e apuro técnico à prática.
Lilia Cabral foi picada pelo mosquito do mercado. Esteve promovendo Divã em Miami e não pretende parar. O filme deve passar pelos festivais de Nova York e Toronto (outra ponta do Circuito Inffinito).
As pessoas estão cansadas de violência, das notícias dos jornais, estão deprimidas e querem se distrair teoriza Lilia, revelando que já vem sendo cobrada para pôr na sala escura outra comédia nos moldes de Divã. Sempre gostei de fazer comédia, no teatro e na TV. E essa linguagem de cinema realmente é fascinante.
Diretor de A mulher invisível, Cláudio Torres comemora os bons números conquistados por seu filme. As cifras, para ele, confirmam o apelo universal do humor junto ao público de qualquer extração. Os aplausos para as comédias brasileiras lá fora são um sinal de que há um novo caminho para o cinema brasileiro.
Filmes como Divã, Se eu fosse você 2 ou mesmo o meu funcionam tanto aqui quanto no Japão. O humor faz sentido em qualquer lugar analisa o cineasta.
Torres estuda as chances de emplacar A mulher invisível no mercado internacional. Para ele, a comédia made in Brazil tem chances de ocupar um possível vácuo deixado pelo desgaste da fórmula do chamado favela movie, que por enquanto ainda é sinônimo de cinema brasileiro contemporâneo no exterior.
Na Europa e nos Estados Unidos, filmes como Tropa de elite ou Cidade de Deus são vistos como uma espécie de zoológico exótico, uma janela para o Terceiro Mundo comenta o diretor.
As previsões dos produtores e de analistas de mercado apontam para um 2009 de público recorde para o cinema brasileiro, um resultado puxado pela sucessão de comédias que bombaram na bilheteria. Diretor executivo da Globo Filmes (que tem seu dedo no campeão do ano, Se eu fosse você 2), Carlos Eduardo Rodrigues discursa:
Não tínhamos três blockbusters nacionais desde 2004. A reversão já é fato e só nós fecharemos o semestre com mais de 9,5 milhões de espectadores. Começo a acreditar que bateremos os 16 milhões de ingressos de 2004.
Só o público de Se eu fosse você 2 e Divã já representa 88% da soma de espectadores do filme nacional de 2008. Surfando o momento favorável, chega em agosto Os normais 2, de José Alvarenga Jr; O bem-amado, de Guel Arraes, estreia em janeiro de 2008. Enquanto isso, a Conspiração Filmes desenvolve dois novos projetos na área: A sogra e O homem do futuro.
Luiz Noronha, sócio e produtor da Conspiração Filmes, identifica o fase prolífera dos filmes calcados no humor como um movimento natural de mercado, que em breve pode ser substituído por outras vertentes populares no país, como os dramas biográficos. No entanto, identifica um fator favorável ao gênero no mercado externo.
O roteiro de A mulher invisível foi negociado com a Turquia e há interesses de países como Índia e México e EUA em adaptá-lo adianta. Por seu diálogo direto com públicos distintos, o gênero facilita a comercialização no exterior e a entrada no globalizado mercado de cinema.
Correndo por fora do páreo dos blockbusters, David França Mendes espera abocanhar um naco das risadas do público com Um romance de geração, previsto para estrear mês que vem.
A questão não é saber por que as comédias estão fazendo sucesso agora, e sim por que esse sucesso não chegou antes afirma o cineasta. Porque isso já ocorria com o teatro, com a televisão... A comédia sempre fez sucesso, no cinema também, e sempre com qualidade.
Para França Mendes, o apelo dos filmes cômicos nacionais pode residir em suas características mais particulares, próprias de nossa cultura.
Não apenas as comédias, mas todos os filmes nacionais que têm influência da TV usam uma linguagem muito própria. Lá de fora o que vier é lucro. Se fizer mil espectadores ou 100 mil, eu quero mesmo é que todos gostem muito do filme.
A produtora Mariza Leão é outra a crer que o caráter único do cinema brasileiro deve ser trabalhado a favor de nossos filmes para exportação:
Nossos longas são muito identificados lá fora como obras que falam da realidade social. O interessante é que nossas comédias acabam fugindo daquilo que, por exemplo, um público como o francês espera de um filme brasileiro. O timing do humor, os diálogos, o clima... Tudo isso é muito único.
Mariza entende de blockbuster nacional. Mesmo que seu maior sucesso, Meu nome não é Johnny, não seja exatamente uma comédia. De olho no Dia dos Namorados, a produtora pôs nos cinemas na sexta o romântico Apenas o fim. E embarca de vez no ramo das gargalhadas com Sexy delícia, que começa a ser rodado em dezembro, tendo Ingrid Guimarães à frente do elenco e roteiro de Marcelo Saback (o mesmo de Divã)
O momento é feliz para a comédia porque estamos numa safra de excelentes filmes acredita Mariza. E hoje em dia temos elementos que ajudam a projetar o que vai e o que não vai fazer sucesso. O teste do cotovelo não engana. Se o trailer bate bem, um espectador cutuca o outro e fala: Tô dentro .
Colaborou Luiz Felipe Reis.
Mario Marques viajou a convite do Circuito Inffinito de festivais