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Graphic novel de Milo Manara é lançada no Brasil em edição de luxo

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Marcelo Alencar, Jornal do Brasil

RIO - O enredo parece remeter a romances clássicos de James Fenimore Cooper ou Nathaniel Hawthorne autores, respectivamente, de O último dos moicanos e A letra escarlate mas é de uma história em quadrinhos. Não é um acaso, já que o italiano Hugo Pratt (1927 1995), roteirista da graphic novel Verão índio, recém-lançada no Brasil pela Conrad Editora, nunca se furtou a reconhecer que extraiu inspiração e referências de obras desses escritores. Lançado originalmente em 1983, o álbum, de capa dura e tratamento gráfico luxuoso, tem desenhos de Milo Manara, conterrâneo e fiel discípulo de Pratt. A narrativa da dupla ganha contornos de verossimilhança no texto bem documentado e nas ilustrações realistas, que sugerem extensa pesquisa histórica.

A parceria entre os dois artistas parte da admiração mútua. Manara é fã do Hugo Pratt desde a tenra idade e, em 1980, retratou seu ídolo como personagem do álbum HP e Giuseppe Bergman. Mundialmente conhecido por seu traço, que flutua entre a tênue linha do erótico e o pornográfico sem nunca perder a elegância, o ilustrador é influência para muitos quadrinistas da nova geração.

Gosto muito de Manara diz o gaúcho Rafael Grampá, autor da graphic novel Mesmo delivery, vencedora do Prêmio Eisner, o Oscar dos quadrinhos, no ano passado. Considero-o um dos mestres da linha. Não dá para falar de Manara sem citar seus desenhos de mulheres. Nem todos os seus livros são lançados aqui e qualquer lançamento é bem-vindo.

O roteirista, quadrinista e ator bissexto Lourenço Mutarelli destaca a forma como o autor explora o erotismo.

Ele tem um desenho muito marcante, trabalha o erotismo com equilíbrio, sem nunca cair na vulgaridade observa o desenhista.

Verão índio conta a história de uma aldeia de moicanos, isolada pelo muro fortificado de uma cidadela. A cabana de uma família de proscritos completa o quadro de desagregação social. O falso moralismo dos imigrantes, somado à intolerância religiosa, determina os rumos da comunidade, encabeçada por um pastor puritano de índole duvidosa e um comandante militar despreparado para a função. A época é o início do século 17 e o lugar, a costa da Nova Inglaterra.

A violação da sobrinha (e amante) do sacerdote acende o estopim de uma guerra anunciada. Os estupradores, dois índios adolescentes, são assassinados por um branco, desencadeando uma série de incidentes violentos que põem à prova a fé e as convicções de todos os envolvidos. Os personagens centrais desse drama sem heróis explicitam relações sórdidas em que a truculência e a luxúria se sobrepõem a biografias teoricamente devotas. A HQ desnuda mazelas de uma sociedade hipócrita que, incapaz de assumir as fraquezas, promoveu carnificinas como a caça às bruxas de Salém e o genocídio indígena.

Dupla polêmica e adorada pelo apelo erótico de suas criações

O veneziano Hugo Eugenio Pratt passou boa parte da infância e da puberdade no norte da África, região em que o pai serviu o exército fascista de Mussolini. A vontade de frequentar um liceu artístico em sua terra natal esbarrou na eclosão da Segunda Guerra. Coube ao rapaz, então, cursar um colégio militar na Úmbria e agradecer aos céus por não precisar pegar em armas: tinha apenas 16 anos quando a Itália assinou o armistício.

Em 1945, participou de um grupo de quadrinistas de vanguarda, cuja criação mais proeminente foi o justiceiro mascarado Asso di Picche (Ás de espadas, em tradução literal). Seu talento o levou à Argentina, onde, a convite do editor César Civita, morou muitos anos enquanto lecionava na Escuela Panamericana de Artes, em Buenos Aires, e rabiscava as aventuras do Sargento Kirk e do soldado Ernie Pike, crias do argumentista Hector Oesterheld.

Hugo morreu em casa, na Suíça, em decorrência de um câncer, em 1995. O nome de seu livro de memórias, coletadas em forma de entrevistas pelo jornalista francês Dominique Petitfaux, revela um espírito libertário e irreverente: Il desiderio di essere inutile (O desejo de ser inútil).

Com Maurilio Manara compôs uma dupla de criação ocasional, que também produziu El gaúcho, história ambientada na América Latina colonial, lançada no Brasil em 2006 e ainda disponível em livrarias.

Natural de Luson, na região de Verona, Milo Manara nasceu em 1945 e, ao longo de uma sólida carreira, arregimentou um verdadeiro exército de fãs, sobretudo por seus indefectíveis traços femininos. Curvilíneas e lascivas, essas musas de papel estrelam roteiros com alto teor de erotismo. A estreia do autor no gênero deu-se em 1962 com a série pornô-policial Jolanda de Almaviva. Em uma de suas séries mais famosas, O clic, o italiano cria um episódio no antigo garimpo de Serra Pelada, no Pará. Na trama, uma das típicas mulheres exuberantes do quadrinista exibe-se totalmente nua para uma multidão de garimpeiros solitários e carentes.