Maria Lúcia Dahl, JB Online
RIO - Agora que a tecnologia permite gravar todas as músicas preferidas num só CD não tenho mais inveja de Churchill. Uma vez li numa revista que Winston Churchill tinha mandado fazer um disco especial com todas as músicas que acompanharam a sua vida. Não sei como foi possível isso na época das 78 rotações. Mas eu, que ainda não era possuidora de um passado, ou de uma vida repleta de consideráveis recordações, mesmo assim, quando li isso, morri de inveja de Churchill.
Poder ouvir um disco composto só pelas canções preferidas, em que não tivéssemos que ficar pulando de faixa em faixa, com aquela agulha dourada tremendo na ponta dos dedos e arranhando os LPs, era simplesmente meu sonho de consumo. Porque muitas vezes compravam-se LPs para ouvir uma faixa só! Com os CDs também, só que a agulha foi substituída por botões.
Então, assim que surgiu a novidade de se fazer CD por computador (prática ilegal, acho eu), um amigo me deu um de presente com músicas que iam de Henri Salvador, Yves Montand e Piaf, até Titãs, Dire Straits, Arnaldo Antunes e Adriana Calcanhotto. Fora Beatles e Rolling Stones, que, desses, eu tenho tudo. Fiquei na maior emoção. Não queria mais sair de casa. Só que cada faixa escutada no escurinho me fazia retornar à sala de música dos meus pais, onde eu continuava deitada no tapete, sonhando, como nos antigos tempos.
Naquela época, com o tempo futuro. Eu e a Martha púnhamos Elvis na vitrola e, através de um 45 rotações, fazíamos planos e pensávamos como poderíamos ser felizes. Ficávamos imaginando com quem casaríamos. Pensávamos nas paixões do colégio e em como realizá-las, embora soubéssemos que bom mesmo era a fantasia que podíamos construir e desconstruir ao som de Don't be cruel ou I want you, I need you, I love you. E, às vezes, sonhando alto, eu visualizava o próprio Elvis ao meu lado, com gumex no topete.
Agora que a tecnologia nos permite gravar todas as músicas preferidas num só ou em alguns CDs (dada a quantidade de gravações inseridas no meu cérebro), não preciso mais ter inveja de Churchill. É só pegar os LPs e separar o que se quer gravar. Acontece que só de separar já comecei a me emocionar. Primeiro com as capas. De London London, por exemplo, que comprei no exílio da Europa e ouvia em Londres, na casa do próprio Caetano. Do George Harrison, cantando Isn't it a pitty, que tocava em Roma, presente do meu namorado de Israel. Do James Taylor, cantando You've got a friend, do Gato Barbieri, em pessoa, ouvindo sua trilha de O último tango em Paris na minha casa e reencontrando o amigo Cachorro... Gato! dizia eu. O Cachorro está louco pra te ver! E ficava olhando os dois se abraçarem na varanda, relembrando a Argentina, Gato e Cachorro, abraçados, em frente ao Coliseu.
Peguei também uns 45 rotações mais antigos, como Tous les garçons et les filles, da Françoise Hardy, que eu ouvia com Gustavo, na casa do embaixador Paulo Carneiro, em Paris. Sim, porque guardei tudo como se fossem relíquias. Estão ali prontos a chamar um tempo passado e me fazer desmaiar no tapete mágico, viajando pelo mundo e a juventude outra vez. A Gal Fatal me trouxe a um Brasil pós-exílio, junto com Chico Buarque e Elis. Depois Rita Lee me relembrou Búzios. Então chegou a hora do LP do Belchior, Como nossos pais, e, ansiosa demais pra esperar mandar fazer o CD, fui à Modern Sound e comprei imediatamente suas melhores músicas.
Voltei ao meu tapete mágico e ao seu show no Teatro Teresa Raquel, depois ao Diagonal, no Baixo Leblon, com todos os amigos reunidos. Os que pertenciam à música, ao Cinema Novo, ao teatro, e fiquei pensando em como éramos efervescentes, borbulhantes e felizes. Demorei a sair da minha sessão de cinema particular, deixando a menina na sala e levando a saudade na camisa toda suja de batom .