Mario Marques, Jornal do Brasil
RIO - Aos 56 anos, a serem degustados em 4 de maio, Lulu Santos faz caminhar pela humanidade 21 discos e algumas boas coletâneas, como a que acaba de sair pela Som Livre (Novelas). Proferido rei do pop em parágrafos apaixonados de jornais nos anos 80 e 90, o cantor e compositor carioca encastelou-se no nobre título e viu o cetro despedaçar e virar farinha nos anos 2000. Justamente entre o público da internet, aquele que foi afagado em álbuns como Anticiclone tropical (1996) celeiro de anunciações webloucas. Lulu, de mãos dadas à distância com Ed Motta, este 18 anos menos, entrou numa espécie de limbo odiento: experimente louvar a obra de ambos numa mesa de bar em que o mais velho tenha acabado de ter emitida sua carteira de motorista no Detran. Ed e Lulu viraram os ídolos do pai. Chatos. Velhos. Insuportáveis.
Lulu Santos atravessou décadas rejuvenescendo-se, aliando a suas canções de embalagem pop os recursos da hora: a eletrônica, os sons perdidos em algum lugar do passado, os músicos que tiravam o som que lhe permitia flanar. Não se pode aqui, sob pena de tortura fatal, obscurecer as absurdas e magicamente suingadas linhas de baixo de seus temas mais dançantes. São parâmetros da qualidade instrumental brasileira de todos os tempos. Causa esquivança, pois, que o talento de Lulu e seu cabedal de canções belíssimas não sejam suficientes para lhe garantir uma aposentadoria de homenagens sem-fim entre os mais novos. Numa dessas demonstrações de repulsa quase orquestrada, o autor de De repente, Califórnia, Assim caminha a humanidade e Um pro outro (a do insuspeito refrão Nós somos feitos um pro outro/pode crer/por isso é que eu estou aqui/E não há lógica que faça desandar/O que o acaso decidir, faixa que se repete sem data para terminar no meu repetitivo CD-player), foi atacado a latadas. No meio da plateia do festival Mada, em Natal, anos atrás, escarafunchei entre os locais o motivo da repugnância coletiva. Dizia-se entre os natalenses que Lulu teria xingado os nordestinos num dos shows na região. Boato que nenhum jornalista confirma. Apenas ouviu-se falar. E sabe como é boato. Quando pega a corrente da internet vira verdade absoluta.
Separado por 10 metros e três computadores, divido a questão com meu antenado e querido repórterindie Braulio Lorentz:
MM diz:
Qual sua opinião sobre Lulu Santos?
Braulio diz:
Gosto muito.
Braulio diz:
Mas para mim é como Fabio Junior.
Braulio diz:
Meus pais ouviam muito.
Braulio diz:
Muito.
Braulio diz:
E sempre achei bom.
Fico feliz quando meu repórterindie me surpreende. Ainda que, logo depois....
MM diz:
E o que você achou da Mallu Magalhães no Faustão?
Braulio diz:
Não vi.
Braulio diz:
Até minha mãe me perguntou se eu vi.
MM diz:
O que você achou dessa atitude nada indie?
Braulio diz:
Quem disse que ela é indie?
Braulio diz:
Agora estou travado.
Braulio diz:
Não sei o que você vai colar na sua coluna.
Voltando. Pois Lulu Santos não se ajuda. Descola-se, em discurso, da garotada, embora suas guitarras, levadas e arranjos sejam endereçados ao pop-rock. E olha que Lulu, em seu castelo de rei tropical, não chega à arrogância juvenil de Ed Motta, dado a discursos complexos sobre tortas, vinhos, cervejas de rolha, chás ou qualquer intérprete sombrio da black music que só ele conhece. A postura de Lulu é mais de outsider da obviedade reinante e das unanimidades. Mas nem isso é categoricamente definitivo. Os rompantes de Lulu, as entrevistas concedidas a contragosto, nas quais expõe sua insatisfação com contextos, direções e pautas, o sumiço das hostes independentes e o apego à sua independência artística e pessoal colaram nele um artista do passado. Algo que suas excepcionais baladas, de vísceras jorrando sangue pop, teimam em contrapor seu próprio mondo cane.
Diferentemente de Ana Carolina, que se fia nas tramas da Globo para pôr suas músicas à apreciação popular, Lulu nem precisava de uma coletânea Novelas para se sustentar neste bólido desgovernado que é o mercado fonográfico nacional. Tal lançamento só se justifica para a gravadora que o lançou. Para Lulu é mais um disco a ser abatido nas Lojas Americanas a R$ 10. Pelas mesmas pessoas. As que o acompanham do Morro da Urca, do Circo Voador, da Mamão com Açúcar.
Com o fim de semana passado entre sinfonias emocionantes de choro humano e a voz elegante da cantora americana Melody Gardot (www.myspace.com/melody), começo a semana com o primeiro disco solo do cantor e compositor carioca Daniel Lopes (Mais e mais refrões). O ex-líder do grupo Reverse é autor de um dos hits pop mais violentamente abandonados da história recente de nossa música, um sucesso perdido em algum HD: É, lá vem você. Junta-se a Tanto faz, outra doce canção esquecida, do saudoso Liô Mariz (Som da Rua).