Marco Antonio Barbosa, Jornal do Brasil
RIO - O universo das histórias em quadrinhos teve uma data certa para entrar na idade adulta: setembro de 1986, quando chegou às bancas dos EUA o primeiro número da minissérie Watchmen. Quase 23 anos depois, chega aos cinemas o longa-metragem que planeja fazer pelos filmes de super-herois o que a obra de Alan Moore (texto) e Dave Gibbons (arte) fez pelas HQs elevar o patamar das adaptações de quadrinhos ao status de grande arte. Watchmen O filme, uma produção de US$ 120 milhões dirigida por Zack Snyder (300, Madrugada dos mortos), desembarca nesta sexta em 28 salas da cidade em lançamento mundial simultâneo disposto a acabar com a expectativa de uma enorme legião de fãs da história original.
Não é exagero dizer que a série criada por Moore & Gibbons é a mais aclamada HQ de todos os tempos. E que o longa correspondente vem sendo aguardado praticamente desde o lançamento em 1986.
Dentro dos quadrinhos famosos editados na América, Watchmen é uma obra-prima afirma Ed Motta. O músico é apaixonado por quadrinhos (mas mais afeito à produção européia) e concedeu depoimento ao livro Os bastidores de Watchmen, apenas um dos lançamentos que chegam ao mercado a reboque do lançamento do longa.
A HQ lançada em 1986 (editada no Brasil em 1988) apresentava uma reinvenção radical do mito dos super-herois. Numa realidade fictícia bem parecida com o nosso mundo, os vigilantes mascarados não podem mais combater o crime (por ordem presidencial). Apenas um heroi tem poderes de verdade: o Dr. Manhattan, que manipula o tempo, o espaço e a matéria de forma ilimitada. Com os EUA e a União Soviética à beira de um conflito nuclear, surge também um complô para eliminar os ex-herois e que pode também pôr a humanidade em risco...
O universo paralelo criado por Moore e Gibbons mudou para sempre o modo como os quadrinhos eram vistos no Brasil acredita Leandro Luigi Del Manto, jornalista especializado em quadrinhos e editor da primeira versão brasileira de Watchmen.
A maturidade da história, as várias tramas paralelas e a complexidade dos personagens sempre foram um desafio para os vários cineastas que, desde os anos 80, tentaram adaptar a história (que foi eleita pela revista Time como um dos 100 melhores romances de língua inglesa do século passado). As idas e vindas entre estúdios diferentes só aumentavam a ansiedade dos fiéis fãs da minissérie. Depois que os filmes baseados em quadrinhos provaram ser ao mesmo tempo rentáveis e artisticamente dignos (vide o estrondo feito por Batman O cavaleiro das trevas), é o momento certo para o filme de super-heroi... que veio acabar com os super-herois.
"E se eles existissem mesmo?"
Para o diretor Zack Snyder, é possível destilar o significado de Watchmen O filme em uma única pergunta:
Queremos explorar a seguinte questão: o que aconteceria se super-herois existissem no mundo real?
A segurança do diretor é o ingrediente principal de um caldeirão que começou a ser mexido pouco depois do lançamento da minissérie original. Ainda nos anos 80, o diretor Terry Gilliam (Brazil, o filme) se interessou pelo projeto, mas desistiu, achando que um longa de duas horas não faria justiça ao material. Darren Aronofsky (O lutador) e Paul Greengrass (A supremacia Bourne) também arriscaram suas próprias visões, que não foram adiante. Para complicar, o próprio Alan Moore não queria ter nada a ver com a versão cinematográfica (o escritor, decepcionado com V de vingança e A liga extraordinária, extraídos de outras obras suas, exigiu que seu nome sequer fosse citado nos créditos de Watchmen).
Snyder, fresco do sucesso de outra adaptação de quadrinhos (300, do álbum de luxo de Frank Miller), convenceu os produtores Lawrence Gordon e Lloyd Levin de sua paixão pelos quadrinhos de Moore & Gibbons.
Uma das razões de tanta demora para o filme ficar pronto é que Watchmen funciona como uma história de época comenta o cineasta. Agora as páginas das HQs são tratadas como algo sagrado. O sucesso de 300 e a nova admiração ao material original dos quadrinhos me deixaram livre para tratar da história com fidelidade.
E bota fidelidade nisso. Quem já leu e releu a minissérie vai reconhecer os uniformes, os cenários e a caracterização dos personagens, acurada em detalhes. Do brilho radioativo azulado do Dr. Manhattan (Billy Crudup) à máscara mutante do justiceiro Rorschach (Jackie Earle Haley), os quadrinhos realmente ganham vida na tela, com uma intensidade que nenhuma outra adaptação conseguiu. Todas as cenas cruciais das páginas de Watchmen estão recriados, à exceção e aí certamente haverá polêmica do desfecho, bem diferente do original.
Quando a revista foi lançada, surgiu como um divisor de águas conta Jeffrey Dean Morgan, que interpreta o Comediante. O trabalho de Zack Snyder pode ter o mesmo efeito. É a desconstrução do super-heroi, um mundo em que o Superman odeia a humanidade e o Batman é impotente. Não dá nem para comparar com o que veio antes. Não existe um modelo a ser seguido.