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Diretor Costa-Gavras fala de sua relação com o Brasil

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Carlos Helí de Almeida, Jornal do Brasil

RIO - Quando esteve no Brasil pela primeira vez, no início dos anos 70, durante a fase mais aguda da ditadura militar, o grego (naturalizado francês) Kostantin Costa-Gavras já respondia pela reputação de autor de incômodos filmes políticos. O diretor desembarcou no país a caminho de Belo Horizonte, onde faria, para o filme Estado de sítio (1973), pesquisas sobre guerrilheiros uruguaios que sequestram um cônsul brasileiro e um oficial da inteligência americana. A fama do longa Z (1969), que reconstitui o golpe militar da Argélia, então corria o mundo como ganhador do Oscar de Filme Estrangeiro.

Não viajei ao Brasil em segredo. Mas, naquela época, não seria bom ser associado a um filme como Z lembrou o cineasta de 76 anos, em entrevista ao Jornal do Brasil durante o Festival de Berlim, onde Eden is west, seu mais recente trabalho, fechou a competição. Não deu outra. Na alfândega brasileira, quando olharam para os meus documentos, foram logo perguntando: O senhor é o Costa-Gavras? Despistei explicando que não, que eu me chamava Kostantinos Gavras, que Gavras é um nome muito comum na Grécia.

Espécie de drama fantasioso sobre o fenômeno da imigração ilegal na Europa, Eden is west abrirá o 13º Cine PE Festival do Audiovisual do Recife, em 27 de abril. Gavras virá acompanhar a exibição do longa protagonizado pelo italiano Ricardo Scarmarcio (Meu irmão é filho único) na maratona pernambucana. É a quarta visita do diretor ao país desde aquele quase constrangimento na alfândega, quase 40 anos atrás a segunda só ocorreria em 2002, quando veio lançar O corte no Festival do Rio.

Gavras confessa que gosta da idéia de estreitar relações com o Brasil, país que, até mesmo por todas suas convulsões políticas e econômicas recentes, é um exemplo para o continente.

Para nós, europeus, e particularmente para mim, que venho de um país que também enfrentou uma ditadura militar, o Brasil é uma nação milagrosa. Durante décadas, a América Latina foi uma espécie de laboratório para os Estados Unidos. Fazia-se o que Washington mandava. Nos últimos anos, seu presidente (Lula) está promovendo uma mudança radical no país, a ponto de criar um equilíbrio de poder com os EUA. É algo que não se vê no continente há mais de 50 anos. Tinha esperanças também na Venezuela, mas acho que o Hugo Chávez está exagerando ri o diretor, presidente do júri do Festival de Berlim no ano passado, que deu o Urso de Ouro ao brasileiro Tropa de elite.

Até hoje, um ano depois da vitória do filme de José Padilha, Gavras volta e meia é questionado sobre a polêmica premiação. Assim como ocorreu no lançamento de Tropa no Brasil, a imprensa que cobriu o festival viu resíduos fascistas na história sobre as atividades do Bope, o Batalhão de Operações Policiais Especiais do Rio de Janeiro. Não faltaram queixas também sobre o Grande Prêmio do Júri, que equivale a um segundo lugar, dado ao documentário Procedimento operacional padrão, de Errol Morris, sobre a tortura aplicada por soldados americanos na prisão iraquiana de Abu Ghraib.

Como de hábito, os críticos já havia decidido qual filme premiar, antes da decisão do júri oficial ironiza Gavras. Ambos são filmes maravilhosos, contam histórias impressionantes. Mostram como as autoridades eleitas por nós permitem que a polícia, no caso de Tropa, e o exército, no filme de Morris, façam seu trabalho sem qualquer tipo de controle. Os governantes não querem se responsabilizar por seus atos. E isso é o pior que pode acontecer à democracia.

Gavras sempre esteve atento às ameaças aos direitos humanos e às liberdades civis. Em Eden is west (O paraíso é o Oeste, em tradução livre), o diretor aponta sua câmera para os imigrantes ilegais, que viraram instrumento de políticos em toda a Europa. O filme descreve a odisséia de um jovem que atravessa o Mediterrâneo em um barco superlotado para concretizar o desejo de viver em Paris. O diretor evitou dar uma nacionalidade e uma língua reconhecíveis para o personagem:

Se o espectador não sabe de onde ele vem, há de respeitá-lo como ser humano. Toda nacionalidade traz consigo um passado, uma história de guerra, de miséria, uma ideia de religião, e eu queria que ele fosse visto apenas como um homem comum.