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Romance homoerótico atribuído a Oscar Wilde chega ao Brasil

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Juliana Krapp, JB Online

RIO - O ano de 1893 foi agitado para o escritor, dramaturgo e poeta irlandês Oscar Wilde. Não bastasse a consolidação de seu namoro escandaloso com um jovem universitário e a badalação em torno de suas peças Uma mulher sem importância estreava em Londres, Salomé arrebatava Paris e Berlim e era publicado O leque de Lady Windermere ainda consta que ele teria tentado aliciar e sodomizar ao menos seis rapazes, de acordo com a acusação levantada nos anos seguintes pelo Marquês de Queensberry, seu arqui-inimigo e pai de seu amante.

Pois há quem acredite que, em meio a tamanha mixórdia, Wilde ainda teria arrumado tempo para publicar um livro anônimo, Teleny, ou o reverso da moeda, que circulou naquele período em apenas 200 exemplares. A atribuição não-confirmada ao escritor fez com que o romance, de teor homoerótico explícito, fosse logo um sucesso. Proibida, a obra só veio à tona novamente em 1986, quando publicada na série Gay Modern Classics, da GMP londrina. Antes disso, um exemplar dormia numa caixa especial do British Museum.

Lançado no Brasil pelo selo Erótica, da Hedra, o livro traz o nome de Wilde entre colchetes, para indicar a dúvida sobre autoria. O que quase não existe: já é praticamente consenso entre os especialistas que Teleny não foi escrito pelo irlandês.

O estilo não é o dele confirma a pesquisadora Aurora Bernardini, que assina a apresentação do livro.

Segredos de alcova

De fato, a despeito de sua conturbada biografia, detalhes de alcova não costumavam habitar a obra de Wilde. Mesmo em O retrato de Dorian Gray, seu texto mais famoso entre nós, o homoerotismo é sutil. Condenado pelo que fazia entre quatro paredes, o escritor nunca quis revelá-lo em suas histórias.

Pois o mesmo não se pode dizer de Teleny, que narra a paixão entre o aristocrata francês Camille Des Grieux e o pianista de sangue cigano René Teleny. Grande parte de suas mais de 200 páginas são dedicadas a descrições fisiológicas, que não poupam o leitor de nenhum pormenor da ação lúbrica. E bota ação nisso. Se, na página 56, narra-se a repulsa de Camille ao visitar um cortiço, com seu cheiro de ácido carbólico e iodo (usados, na época, para tratar a sífilis) misturado a almíscar barato e ao odor de peixe rançoso que emanava das horizontales, na 74 começa a sequência de luxúria entre um casal adúltero, para, lá pela 91, avançarmos pela tentativa de estupro de uma criada. E assim por diante: logo o leitor acompanha a primeira relação homossexual de Camille, quando ele súbito anuncia, lépido: O Rubicão havia sido atravessado. (...) Teleny enfiara-o inteiro dentro de mim, até a raiz; senti seus pêlos se chocarem contra os meus, seus testículos roçarem delicadamente de encontro a mim .

Fato é que o romance entre Camille e Teleny, de final trágico, possui muitas semelhanças entre o de Wilde e o jovem Lord Alfred Douglas outro motivo para que se acredite que, se não há o dedo do escritor no manuscrito (a hipótese mais provável é a de que ele tenha feito alterações no texto original), este ao menos deve ter sido escrito, a muitas mãos, pelo seu grupo de amigos.

Apesar de não ser propriamente uma obra-prima, Teleny, seja lá de quem for, possui o mérito de trazer à tona a ambiência, inclusive subterrânea, da era vitoriana, tão marcada pelo moralismo que condenou Wilde à prisão e à ruína. Em determinado ponto, referindo-se ao seu romance gay, Camille comenta, como que antecipando o que aconteceria, de fato, com o escritor, apenas dois anos depois: Se a nossa união fosse abençoada pela Igreja, não poderia ter sido mais íntima. Que os moralistas depois disso expliquem-me a ameaça que representamos, ou o legislador, que teria aplicado a nós a pena infligida ao pior dos criminosos, o mal que fizemos à sociedade .