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Gravadora Kuarup anuncia seu fim e é obra de artistas é ameaçada

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Ricardo Schott, Jornal do Brasil

RIO - Fundado em 1977 e dono de catálogo no qual podiam ser encontradas obras de uma MPB que não toca em rádio, o selo Kuarup já enfrentava dificuldades financeiras há cerca de cinco anos.

Parte de sua discografia vinha sendo motivo de briga na Justiça desde 1996, quando o violonista Turíbio Santos iniciou uma ação na qual pedia a proibição da comercialização de seus discos, tendo recebido cinco anos depois os masters de 10 de seus álbuns.

Com o fim da gravadora, decretado na semana passada, seu acervo composto de 200 títulos, entre eles álbuns célebres de artistas como Elomar, Xangai, Renato Teixeira, Pena Branca & Xavantinho, Henrique Cazes, Paulo Moura e Arthur Moreira Lima, além da maior coleção de discos gravados com a obra de Villa-Lobos fica sem pouso certo.

O cerrar das portas da gravadora foi anunciado por seu idealizador, Mário de Aratanha (que tocava o negócio com a socióloga francesa Janine Houard), sem alarde.

Um aviso, distribuído a artistas e lojistas, foi postado no site da gravadora.

Ao longo dos últimos anos, as vendas de produtos físicos sofreram queda vertiginosa, nem de longe compensada pelas vendas por download. Entendemos que a crise do CD é irreversível e tornou inviável nosso modelo de negócio, inteiramente calcado na produção e comercialização de música de qualidade

Não há negociações com selos ainda. Mas alguns donos de gravadora já sonham com o catálogo. É o caso de João Augusto, diretor da Deckdisc, que reeditou recentemente o CD Pixinguinha de bolso, gravado em 2000 pelo cavaquinista Henrique Cazes.

Cheguei a estudar o catálogo deles nos últimos anos, até por amizade ao Mário. E é um acervo realmente magnífico afirma.

Seria ótimo termos discos de Xangai e Elomar em nosso catálogo, mas não chegamos a conversar ainda sobre isso.

Os artistas do selo boa parte ainda na independência e alguns sem nenhuma obra nas lojas procuram seus destinos.

Não esperava que isso fosse acontecer, até porque nos últimos encontros com a direção da gravadora não se falava do fim dela diz o saxofonista Paulo Moura, que em 1983 gravou pela Kuarup um pioneiro disco mixado em digital, Mistura e manda.

Quero meus discos que gravei lá de volta. Não sei como vai ficar com o fechamento do escritório deles.

Procurado pelo Jornal do Brasil, Turibio Santos, diretor do Museu Villa-Lobos, não quis se pronunciar sobre a Kuarup ou a situação do catálogo de Villa-Lobos.

Tudo o que eu falar sobre eles, depois desse processo, vai ser besteirol justifica-se, recordando a antiga briga judicial.

Cazes lamenta que nada seja feito para recuperar os álbuns dedicados a Villa-Lobos.

Ainda mais se levarmos em conta que estamos nos 50 anos de morte de Villa-Lobos. Num país sério, todo este catálogo estaria sendo vendido numa caixa especial.

Antonio Adolfo, que licenciava suas obras independentes para distribuição pela Kuarup, afirma ter sabido do fim da gravadora por intermédio do próprio Aratanha, de quem é amigo há 30 anos, há algumas semanas.

Com o encerramento das atividades, ficou sem uma empresa para distribuí-lo o que, na prática, significa que discos históricos seus, como Feito em casa (lançado independente em 1977 e reeditado pela Kuarup), estão fora das lojas.

Agora, só comprando pessoalmente na minha escola de música. Fechando a Kuarup, perde-se muita coisa. As pessoas podem baixar dos sites ilegais, mas os artistas vão deixar de ganhar com suas obras. analisa Adolfo, que lamenta especialmente pela não-distribuição das obras de artistas que têm seu catálogo quase integralmente ligado ao selo, como o baiano Elomar e suas antífonas, cuja obra completa está sendo rastreada e deverá ser adquirida pela fundação que cuida de seu trabalho, a Casa dos Carneiros.

Pego de surpresa, Renato Teixeira sequer sabia do fim do selo.

Não sei como o Aratanha vai conduzir isso, nem como vai ficar meu catálogo diz o cantor, que, entre seus álbuns, deixou lá o histórico Ao vivo no Rio Dez anos de Romaria, que registrou seu primeiro grande show na cidade, em 2000.

Espero que o patrimônio deles nunca seja esquecido.

Colega de Aratanha na Associação Brasileira de Música Independente (ABMI) e dono da gravadora Visom, Carlos de Andrade vê no enxugamento dos pontos de vendas uma da razões para o fim da Kuarup.

Os vendedores não sabiam como lidar com o catálogo. Quando as lojas diminuíram e começou essa história de vender CD até em banca de jornal, foi o começo do fim afirma Andrade.

A Kuarup tem o melhor acervo da história da música brasileira. Foi a gravadora que fotografou musicalmente o país. Nos últimos tempos vinha tendo dificuldades para pagar contas...

Procurado pelo Jornal do Brasil, Aratanha, através de sua assessoria, diz que não quer ser pronunciar.