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Marieta Severo conta passagens de sua vida em depoimento ao MIS

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Renata Ramos, Jornal do Brasil

RIO - - Não sei se fiquei importante ou velha - brinca a atriz Marieta Severo, 62 anos, no começo de seu depoimento ao Museu da Imagem e do Som, nesta quinta-feira.

Apesar da modéstia, ela sabe que quatro horas não são suficientes para um relato completo de sua vida profissional. Além das passagens pessoais, que relembram a convivência com o artista plástico Carlos Vergara e Chico Buarque, seus ex-maridos.

Célebre nome do teatro nacional, ela deixa claro a importância que o cinema e a televisão tiveram em sua escalada artística. Enfrentou a censura e o exílio e não esquece a influência da família (três filhas e seis netos) em sua trajetória. No ar na série A grande família, da TV Globo, toca com muito entusiasmo o que acha que é a sua maior realização: o Teatro Poeira, em Botafogo.

Infância

A história que me contaram é que nasci muito rápido. Tive uma infância típica do Leblon. Nasci em 2 de novembro de 1946, Dia de Finados. Mas meu pai achou essa data desagradável e me registrou no dia 3. Tenho a lembrança de que até os meus 14 anos eu achava que meu aniversário era dia 3.

Quando começou a moda da astrologia, lembro de papai falar: o seu vai dar todo errado, porque não é dia 3, é 2. Até hoje eu confundo.

Escola

Com 3 anos, entrei pro Instituto Metodista Benett. Na época era uma escola que tentava ter um espaço de liberdade, uma visão mais psicológica. Eu era uma criança extremamente irrequieta, não parava.

Uma coisa importante da infância que se liga à minha carreira é que eu gostava de contar histórias para os meus colegas. Todas eram terríveis, de horror, com muito sangue. Apesar dos problemas comportamentais, era muito boa aluna.

Instituto de Educação

Ser professora era das profissões mais dignas para uma mulher. Ir para a escola normal era o caminho natural. Lembro de uma certa decepção logo no primeiro ano.

Comecei a achar chato. O que me valeu lá é que tinha uma biblioteca fantástica. No ano seguinte, fui transferida para uma sede em frente ao Tablado. Aí, danou-se. Eu já não estava muito interessada e comecei a atravessar a rua e paquerar o teatro. Aos 16 anos, estava matriculada no Tablado.

Primeiro trabalho

Eu nunca tinha pensado em ser atriz. Mas aquilo começou a me atrair. Um dia saindo da praia, jogando frescobol já no Tablado acompanhei uma amiga num teste para o filme Society em baby doll (1965) e o diretor Luiz Carlos Maciel me olhou e perguntou se eu queria fazer um papel. Disse que não, mas acabei ficando.

Carlos Vergara

Com 15 anos, eu namorava o artista plástico Carlos Vergara, que foi meu primeiro marido. Ele tinha amigos importantes, não só artistas plásticos como Rubens Gerchman, Eduardo Sued.

Na época, a identidade cultural brasileira estava explodindo e eu convivi com pessoas muito importantes. O casamento não atrapalhou em nada na minha profissão, ele me acompanhava em tudo. A gente devia ter ficado namorando. O casamento durou pouco, foi um fracasso.

Teatro

Comecei no teatro com As feiticeiras de Salém (1965), ainda muito verde, sem saber do que se tratava. Acho que a vida foi me empurrando. Eu gostava, mas não sabia o que queria ainda. Fui entendendo, aos poucos, que realmente tinha vocação para aquilo.

TV

Eu comecei a fazer cinema, teatro e televisão praticamente ao mesmo tempo. Em 1966, eu já estava no elenco de O Sheik de Agadir (1966). Fazia uma princesinha árabe.

No fim das contas o assassino era a princesinha e por causa dela fui apedrejada em Copacabana. Fiquei afastada da TV por muito tempo, mas quando voltei emendei um trabalho no outro. Recebi o convite para fazer A grande família (2001) quando tinha acabado a novela Laços de família (2000).

Estava exausta, mas como eram 12 capítulos eu aceitei. Tive uma preocupação enorme para sair do universo de uma burguesa como a Alma para entrar no mundo suburbano da Nenê. Deu tão certo que entraremos na nona temporada da série.

Chico Buarque

Eu o conheci quando fazia Se correr o bicho pega e se ficar o bicho come (1967) . Chico foi com Hugo Carnava assistir a peça. Nesse dia já começou com umas graçolas e por aí foi.

Roda Viva

Roda Viva foi em 1968 e eu já estava com o Chico. O ano foi marcante no mundo inteiro. A gente queria muita liberdade e era necessário participar. Queríamos uma mudança de costumes muito grande. O ano de 1968 era um ano de reunião, passeata, de colocar tênis pra fugir da polícia.

Fora do Brasil

Em dezembro de 1968 vem o AI-5. Com ele, a face do país muda e nós realmente entramos numa ditadura feroz. Todos os líderes foram para o exílio ou torturados. O Chico foi convidado para um festival fora e nós fomos para lá. Na época, a coisa começou a ficar preta. Recebíamos recados para não voltar. Vinicius de Moraes estava em Roma também e nos aconselhou a não voltar.

Nós resolvemos ficar, mas a dificuldade era muito grande. Chico e Toquinho faziam shows de abertura e ninguém os conhecia, mas pelo menos o trabalho garantia o leite da Silvinha.

Censura

Lembro que com 20 e poucos anos eu tinha uma sensação horrorosa de que viveria a mocidade numa ditadura. Fora as ameaças que chegavam para o Chico. A censura era horrível. Era necessário mandar a peça para eles e voltava toda marcada. Depois fazíamos um ensaio pra censura e era sempre uma mulher horrorosa e um cara barrigudo que iam assistir. Claro que era um ensaio pra enganá-los, a gente mudava tudo depois.

Teatro Poeira

Não olho muito o que eu fiz no passado. Mas pesquisando, percebi que há 28 anos havia dito que o meu maior sonho era ter um teatro. Tentei uma vez e não deu certo, até que a minha parceria com a Andréa Beltrão que conheci fazendo A Estrela do Lar (1992), de Mauro Rasi me levou a isso. Numa conversa, falamos em ter um teatro.

No dia seguinte Andréa chegou com os classificados e fomos procurar um lugar. Acho que essa foi a minha maior realização profissional.