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Maestro Marlos Nobre comemora sete décadas de partituras inquietas

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Rachel Almeida, JB Online

RIO - Pouco antes do réveillon, o maestro Marlos Nobre andava pela Praia do Leme, distraído, ao lado da mulher, a pianista Maria Luiza Corker-Nobre. Subitamente, parou e avisou à companheira que precisava voltar para a casa naquele exato momento. Mentalmente havia resolvido um grande problema do Concerto para percussão e orquestra nº 2, obra complexa encomendada pela Osesp para estréia em novembro. Mas estava sem papel ou caneta. O processo de criação do pernambucano radicado no Rio é assim: a música só está pronta quando deixa de atormentá-lo. Até lá, passa um par de meses inquieto, resolvendo acordes nos momentos menos previsíveis. Quase pronta, a composição para a consagrada orquestra paulista vai fechar um ano de dupla comemoração: são sete décadas de vida, celebradas no mês que vem, e o cinqüentenário da carreira.

Sei que a obra está pronta quando fico em paz. Até lá a cabeça não pára diz o compositor e pianista em seu confortável apartamento de Laranjeiras, cercado por dois pianos e muitas partituras. Aí, entrego para a orquestra e ela ganha vida. Fiquei contente porque a solista da Osesp vai ser a maior percussionista do mundo: a inglesa Evelyn Glennie.

Ocupante da cadeira número 1 da Academia Brasileira de Música, Nobre iniciou os estudos aos 4 anos, em casa, onde recebeu aulas da prima, a célebre professora e pianista Nysia Nobre. Aos 10, ingressou no Conservatório Pernambucano de Música. A vitória no Concurso Música e Músicos do Brasil, promovido pela Rádio MEC, em 1960, fez o maestro decidir deixar o Nordeste e se mudar para o Rio. Ergueu um lar na cidade, mas sempre foi cidadão do mundo.

A cultura de música para concerto é muito mais forte na Europa e nos EUA. Tenho muito mais chances lá do que no meu próprio país compara Nobre. Villa-Lobos dizia o seguinte: ia à Europa para conseguir prestígio, aos Estados Unidos para ganhar dinheiro e voltava ao Brasil para ser espinafrado. Desde cedo comecei a viajar muito. Grandes compositores como Camargo Guarnieri se fecharam no Brasil e suas composições não ficaram tão conhecidas como poderiam no exterior.

Marlos Nobre tem 48 discos lançados com suas obras, incluindo um duplo com as 12 grandes peças regidas e tocadas por ele, como Ukrinmakrinkrin, Quarteto de cordas nº 1 e Mosaico. Dificilmente algum deles vai ser encontrado em lojas brasileiras. O próprio músico compra os CDs no exterior. Para divulgar seu trabalho às novas gerações, Nobre descobriu recentemente o YouTube.

Coloquei uma série de vídeos meus e tive uma resposta maravilhosa encanta-se. Há dois meses, por exemplo, pus uma apresentação com a Orquestra Sinfônica Simon Bolivar da Venezuela e já recebi 3.500 acessos.

A relação com os jovens compositores não fica só no terreno virtual. Todo último sábado do mês, quando está no Brasil, recebe em casa a nova geração. Toca obras que chegam às suas mãos e dá dicas.

O primeiro contato com a música do Marlos aconteceu na minha adolescência, quando eu estudava piano no interior de Minas Gerais e compunha autodidatamente. Fiquei fascinado lembra o compositor de Cataguases Rafael Nassif, de 24 anos, que começa a traçar sua carreira no exterior. Além dos encontros em sua residência, enviei minhas composições por correio para que ele me orientasse. Sou imensamente grato a tudo o que me ensinou naquela época e pela generosidade como foi feito.

Marlos explica que sempre procurou um caminho autoral, que engloba todas as suas referências: de frevo a Bartók. Nunca conseguiu criar nada depressivo.

Marlos Nobre é um dos compositores eruditos brasileiros com mais personalidade elogia o maestro Jaques Morelenbaum. Tem um sabor brasileiro que se percebe nas entrelinhas. Sou fã dele.