Marco Antonio Barbosa, JB Online
RIO - O canto falado, as letras crípticas e a revitalização da música de raiz (folk no caso do primeiro, nordestina no outro) unem Bob Dylan a Zé Ramalho. O paraibano nunca escondeu o débito que seu estilo agreste-místico tem para com o trovador de Minnesota.
Essa união espiritual entre Zé & Zimmermann frutificou em Tá tudo mudando, disco no qual ZR recupera 11 canções de Dylan (quase todas clássicas) com letras em português e uma na versão original.
No texto de apresentação que consta do encarte do CD, a jornalista Ana Maria Bahiana escreve que este é um trabalho há muito esperado . Uma olhadela na capa a recriação tosca de uma das mais icônicas imagens de Dylan, a do videoclipe Subterreanean homesick blues não dá muitas esperanças ao ouvinte.
O conteúdo felizmente é melhor do que o invólucro, o que não quer dizer que esteja isento de problemas. Não se trata de questionar a paixão de Zé pelo roqueiro americano ou mesmo seu conhecimento de causa. Mas musical e (em especial) liricamente, o resultado não fica perto dos melhores momentos do nordestino. O que dirá, então, da distância para as canções de Dylan. Cabe a pergunta que o autor de Avohai deve responder com a mão no coração: Zé, você realmente acredita que a homenagem está à altura de seu homenageado? Ou mesmo sequer de sua própria obra anterior?
Escorregões nos versos
Com produção e arranjos do próprio Zé, em parceria com o ubíquo Robertinho do Recife e Otto Guerra, Tá tudo mudando concentra seu percentual de novidades na parte musical. O saldo é irregular.
Na única canção inédita do disco, Wigwam/Para Dylan, o paraibano limita-se a repassar seu estilo acústico e declamatório. As maiores liberdades começam na faixa a seguir, O homem deu nome a todos os animais (Man gave name to all the animals), na qual a mistura de cítara indiana e triângulo soa como recurso gratuito.
Things have changed não merecia ter virado o pseudotecnobrega que dá título ao disco. Nem era necessário dar um tom meio sertanejo a Não pense duas vezes, tá tudo bem. O cantor ainda aplica um galope a If not for you, a única que vem com a letra em inglês, e a Batendo na porta do céu (versão 2), já gravada pelo próprio Zé em uma versão mais aproximada do estilo original de Knocking on heaven's door. Os duvidosíssimos backing vocals femininos que insistem em surgir em Como uma pedra a rolar (Like a rolling stone) agravam a situação.
E as letras, que sempre foram ponto crucial da obra dylanesca? A opção de deixar (na maioria dos casos) os versos em português tão parecidos quanto possível com os originais gera inevitáveis escorregões. Como quando Zé apela para um Escute o que diz/O vento, my friend em O vento vai responder (Blowin'in the wind). Em Mr. do pandeiro, o compositor emparelha o Mr. Tambourine Man de Dylan ao nosso Jackson do Pandeiro. A vergonha maior vem mesmo em Rock feelingood, que transforma um dos momentos mais irados de Dylan (Tombstone blues) num roquinho safado de timbres ultrapassados e versos como A mãe tá na cozinha/Fazendo arroz com feijão/O pai tá no trabalho/Preocupado com a situação/O filho tá no quarto/Fumando um cigarrão .