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Prestes a estrear filme, Mickey Rourke expõe as dores da solidão

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Pat Jordan - New York Times, JB Online

NOVA YORK - Ao conhecer Mickey Rourke, você logo gosta do cara. Ele cuida de cachorros maltratados! E chora bastante: pelos abusos que sofreu do padrasto, pelo irmão que morreu de câncer, por seus cachorros que padeceram de velhice e pelo fracasso de seu casamento com a atriz Carré Otis. E qual é o problema de chorar ao contar a mesma história em toda entrevista que dá? Quem se importa se o que ele conta ao repórter se parece com um diálogo ruim de um de seus ainda piores filmes ( Não tenho ninguém que possa me ajudar a me refazer )? Mickey Rourke é, na verdade, um ator. Os papéis que já representou e as vidas que já viveu se misturaram de tal forma em sua mente que nem mesmo ele parece conseguir diferenciar a vida real dos personagens que interpreta.

Ele destruiu a carreira fazendo más escolhas, más atuações e tendo uma atitude autodestrutiva em sets de filmagens e na vida real. A ponto de Alan Parker, que o dirigiu em Angel heart (Coração satânico, no Brasil) ter afirmado ter sido um pesadelo e perigoso . Mesmo assim o ator não desistiu da carreira. Tanto que agora, com mais de 50 anos, faz seu terceiro trabalho após a retomada, no filme The wrestler (o lutador, em tradução literal, que entra em cartaz no mês que vem em Nova York e Los Angeles e ainda não tem data para estrear no Brasil). O filme foi muito bem recebido e especialistas em cinema sugerem que sua atuação é digna de um Oscar. Mickey Rourke digno de um Oscar. Será?

Quarto repleto de chihuahuas

Rourke estava com dor de garganta e pediu a seu assistente pessoal, J.P., para comprar um remédio na farmácia. O ator estava sentado num sofá da casa que alugara em Greenwich Village, enquanto sua companheira há 16 anos, Loki, uma pequena chihuahua, dormia no travesseiro ao seu lado. Outro cão da mesma raça descansava num travesseiro no chão. O quarto é repleto de referências aos vários chihuahuas que Rourke já enterrou. Uma imensa fotografia do pai de Loki, Beau Jack, que herdou o nome de um prêmio de boxe, pendurada em cima da lareira. O cômodo é cercado de fotografias de cachorros.

Não tinha expectativa nenhuma diz Rourke sobre seu mais recente filme. Já estava feliz por me deixarem voltar a trabalhar na indústria do cinema.

Daren Aronofsky, diretor de The wrestler, completa:

Não conseguíamos patrocínio para o filme por causa de Mickey. Até que conseguimos um que nos deu US$ 6 milhões.

Randy Robinson (o Ram), personagem de Rourke, é um lutador em fim de carreira, decadente e que vive de sua fama do passado. Ele perdeu tudo mulher, filha, dinheiro, fama e, depois de um ataque cardíaco, espera sozinho pela morte, com exceção de encontros esporádicos com uma stripper.

Passei 12 anos sozinho, perdi tudo conta Rourke. As três pessoas mais próximas de mim, meu irmão, minha avó e minha ex-mulher, não estão mais aqui. Nunca tive um amigo de verdade, me relacionei com algumas meninas, a maioria strippers russas, mas nunca tive ou procurei uma namorada. O nome da minha mulher está tatuado em meu braço.

Seus olhos se enchem de lágrimas.

Ela foi o amor da minha vida.

Não há problema em ser só

Rouke e a mulher foram casados por seis anos e ela é modelo até hoje. Ele pára por um momento e continua:

Fiquei chocado ao aprender que não há problema em ser só. Sou até hoje. Mas sou mais feliz e conformado que Ram. Ele está infeliz, desesperançoso. O único problema é: com quem dividirei minhas conquistas, minhas felicidades? Acho que com meus cachorros...

Rourke perdeu sua beleza leve e frágil. Sentado no sofá, passando seus dedos em seus longos cabelos, com barba no queixo, ele parece com seu personagem Ram, derrotado e abatido. No novo trabalho de Rourke, ele realmente demonstra ser outra pessoa e outro ator. Perdeu alguns traços do que identificava como prova de talento, como o misterioso e sensível sorriso, com um toque de sensualidade. Os gestos lânguidos ao tocar o rosto e os cabelos. Hoje sua presença quase feminina não existe mais.

J.P. volta com pastilhas para a garganta de Rourke. O ator põe uma na boca. Ele ganhou seu primeiro cachorro de Carré Otis e, de lá para cá, já teve mais de 12. Alguns ele recuperou do Estado, evitando que fossem sacrificados. Todos são amigos que confortam Rourke durante os momentos difíceis.

Ainda cercado por seus cachorros, o ator fala do futuro.

Você quer ser respeitado ao envelhecer. Você quer entrar em um restaurante e ouvir as pessoas dizerem: Este é o Mickey Rourke. Estava ótimo em The wrestler! .