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'Encarnação do Demônio' é selecionado para o festival de Veneza

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Nelson Gobbi, Jornal do Brasil

RIO - Mutilações, tortura, corpos nus banhados de sangue o sádico cardápio de "Encarnação do demônio", novo filme do pai do terror brasileiro, José Mojica Marins, é extenso e para estômagos preparados.

Com estréia prevista no circuito nacional para 8 de agosto, além de pré-estréias em três salas cariocas neste fim de semana, o longa que marca o fim da trilogia do mitológico personagem Zé do Caixão iniciada com os cults "À meia-noite levarei sua alma" (1963) e "Esta noite encarnarei no teu cadáve"r (1966) vai aterrorizar também o Festival de Veneza, para o qual foi selecionado.

O filme vai integrar a sessão Midnight Movies, que acontece em paralelo à competição pelo Leão de Ouro, e que já homenageou mestres do terror como o americano George A. Romero, (de filmes como "Zumbi") e os italianos Dario Argento e Lucio Fulci.

O festival, que acontece entre 27 de agosto e 6 de setembro, também tem a presença de Julio Bressane, que exibe "A erva do rato" na mostra paralela Horizonte.

O convite para Veneza foi feito ao produtor Paulo Sacramento e ao assistente de direção e roteirista Dennison Ramalho em março, mas os envolvidos na produção tiveram de manter o sigilo sob pena de eliminação da mostra. Mojica, no entanto, só recebeu a boa nova na semana passada.

Fiquei petrificado. O Paulo e o Dennison me contaram com cuidado, com medo que eu ficasse muito eufórico narra o diretor, de 72 anos.

Sempre quis participar de Veneza, mas achava impossível, porque sou um cineasta de terror. Só se eu mudasse de gênero.

Além de integrar um dos três festivais mais importantes do mundo, ao lado de Cannes e Berlim, Dennison Ramalho acredita que a estréia internacional pode despertar o interesse de distribuidores estrangeiros para o longa.

Nosso objetivo é conseguir alguém interessado em distribuir o filme lá fora. É importante que o público estrangeiro o assista no cinema e não direto no DVD frisa Ramalho, torcendo para que os espectadores de Veneza gostem tanto do longa quanto no Festival de Paulínia, realizado no início do mês, onde Encarnação abocanhou sete prêmios.

Há anos vou a mostras internacionais de terror e nunca vi uma reação assim. Tanto pela parte da platéia que se sentiu ultrajada pelas imagens quanto pelas que ficaram até o final, delirando com o que viam.

O ultraje ao qual se refere o assistente de direção, um dos responsáveis por atualizar o terror de Mojica, não é figura de linguagem. "Encarnação do demônio" é um compêndio de diferentes fases do gênero, desde o gore dos anos 70 ao torture porn contemporâneo estilo caracterizado por cenas de sadismo explícito, celebrizado na série "Jogos mortais" e mais recentemente no filme "O Albergue".

Para dar mais realismo às cenas, a produção contou com adeptos do body modification, que aparecem pendurados pela pele por ganchos e com a boca costurada, além de várias espécies repugnantes de animais (inclusive centenas de baratas).

Meus filmes sempre tiveram aranhas e serpentes, mas uma vez Glauber me disse: Baratas você nunca usou recorda o cineasta, que garante não ter assistido a filmes de terror com o qual seu longa dialoga.

Não vi "Jogos Mortais" ainda, mas quero ver logo porque muita gente me disse que "Encarnação" põe essa série no chinelo.

Mesmo sabendo que a maior parte do público poderia esperar algo mais palatável, diretor e assistente decidiram apostar no que Ramalho classifica como exploitation na cara dura :

Nós nos apropriamos de todas as influências possíveis, além de valorizar a mística do Zé do Caixão. Pegamos nossas referências de terror e tentamos fazer pior. Atacamos em várias frentes, dosando violência extrema com humor.

Sem medo que a brutalidade de Encarnação do demônio afaste o público, José Mojica Marins aposta nos fãs para encher os cinemas.

O roteiro vai agradar até a quem não curte terror arrisca o diretor.

Pode ser até que aconteçam casos como os de Paulínia, onde algumas pessoas passaram mal. Mas, pelas sessões que acompanhei até agora, a maioria entende o filme, rindo, aplaudindo e fazendo silêncio nos momentos certos.