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Em registro ao MIS, Gilberto Braga se diz um oportunista

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Rose Esquenazi, Jornal do Brasil

RIO - A próxima novela de Gilberto Braga, 62 anos, poderia se chamar Tudo por dinheiro, O oportunista ou Que pavão sou eu?. A brincadeira faz sentido. Na terça-feira, o escritor deu um longo depoimento para o Museu da Imagem e do Som (MIS) e confessou ser isso tudo: pavão, louco por dinheiro, oportunista e gay. Durante cinco horas e meia, ao lado da atriz Fernanda Montenegro, do diretor Dennis Carvalho e dos autores Silvio de Abreu, Sérgio Marques e João Ximenes Braga, Braga reafirmou a sua homossexualidade e seu amor pelo decorador Edgar Moura Brasil, companheiro de três décadas.

Edgar me disse que não queria escutar as mesmas histórias e preferia ir para a academia. Mas ele veio e agüentou até o fim reconhece Braga, que concordou com a platéia. Isso é o amor!

O Depoimento Para a Posteridade, coordenado pela vice-presidente do MIS, Ana de Hollanda, começou na infância e no sobrenome de difícil pronúncia: Tumscitz. O que parecia ser de origem austríaca revelou-se a primeira história inusitada da tarde:

Minha avó era muito dadeira e meu pai nasceu de um ficante dela. Anos mais tarde, vovó se casou com um Tumscitz, que deu nome a meu pai. Sempre tive vergonha da minha origem, mas, depois que assumi, ficou tudo melhor.

Na opinião de Fernanda Montenegro, que trabalhou em grandes sucessos do autor, as confissões delicadas só foram possíveis porque o autor é cabeça feita e um grande fã da psicanálise. Ao continuar o relato, o escritor contou que os Braga são portugueses, talvez cristãos novos que se converteram ao fugir da Inquisição. Da infância em Vila Isabel e Tijuca à mudança para Copacabana, ele viu a vida mudar para melhor, embora a mãe fosse autoritária e o pai, ausente.

A mãe exigiu que Braga, o mais velho de três filhos a irmã, Rosa Maria Araújo, é presidente do MIS seguisse a carreira militar, interrompida quando um professor criticou a redação do filho. Depois, houve uma tentativa de entrar para a diplomacia, já que o rapaz falava fluentemente o francês, o que também não deu certo. Passou a ensinar francês na Aliança Francesa e, graças à amizade de sua a mãe com a radioatriz Daisy Lúcidi, conheceu artistas e virou crítico teatral.

Fernanda recorda que Gilberto Braga tentou falar mal dela, já a grande dama do teatro, numa crítica, para se sobressair. O autor explicou que, de fato, não havia apreciado a peça.

Mas fui cruel no dia seguinte, quando escrevi uma página inteira para falar mal da Fernanda e da peça reconhece, lembrando que o fato de ser gay o ajudou na carreira. É feito uma maçonaria, um apóia o outro.

A bênção do grupo não significava que ele não escrevesse bem ou que não tivesse ética. Braga soube aproveitar o poder que o ofício da crítica lhe deu, daí o termo oportunista . Ele elogiava os atores para que fosse aprovado na classe. Mas o salário ainda era pequeno para as suas fantasias.

Meu mundo era o cinema e a música. Sonhava com o show business, mas não sacava o que queria. Como sou oportunista, conheci Daniel Filho, diretor artístico da Globo, no Clube Campestre, no Leblon. Certa vez, perguntei a ele como podia fazer para escrever um Caso especial.

Daniel abriu-lhe os caminhos, primeiro indicando Domingos Oliveira e depois Oduvaldo Vianna Filho, um bilhete premiado.

Vianna gostava de mim porque eu o elogiava, apreciava o trabalho dele. Além disso, sabia escrever em grupo. No quinto programa, Daniel me perguntou se não queria escrever uma novela. Disse que não via novela e, mesmo assim, colaborei em Corrida do ouro, de Lauro César Muniz.

Nesse trabalho, Braga mudou sua assinatura para sempre e nesse momento abandonava o apelido que odiava e que lhe fora dado pelos colegas da Editora Bloch, onde trabalhou: Gilberto Tumtum. Isso aconteceu em 1974, e, a partir daí, o autor se transformou em adaptador de romances para TV: Helena, Senhora e Bravo, com Janete Clair, a pior novela na opinião do autor. Depois veio Escrava Isaura, em 1976, que ninguém esperava se transformar em grande sucesso.

Sonhava com Yoná Magalhães para o papel principal. Ela era sensual e parecia ter um tiquinho de sangue negro. Como não deu, sugeri a jovem Louise Cardoso, mas o diretor Herval Rossano não deixou.

Conhecido por seu temperamento difícil, Rossano, conta o escritor, gostava de atores que o bajulavam. Até hoje, Braga não acredita na química entre Lucélia Santos, Rubens De Falco e Edwin Luisi. Mas o público aprovou.

O encontro com Janete Clair foi transformador e poderoso: ela ensinou e ajudou o jovem escritor, que se sente grato até hoje. Em Dona Xepa, o antigo professor de francês e crítico de teatro mostrou que estava pronto para brilhar na TV. Sincero, confessa que até hoje não gosta de TV por se considerar uma pessoa refinada. O ambiente televisivo lembra a família, que costumava falar alto.

Lembro-me da minha mãe berrando, dizendo que meu pai a traía conta o destemido autor.

Braga fez um balanço de sua trajetória na TV Globo, com altos e baixos. Foram duas as novelas que Gilberto mais gostou de sua safra: Corpo a corpo, a primeira dirigida por Dennis Carvalho, com quem iniciou uma longa e feliz parceria, e a mais recente, Paraíso tropical.

Sou pragmático. Poucas pessoas não ligam para o dinheiro. Manoel Carlos é um deles. Quero ter tranqüilidade para andar de bicicleta no Arpoador, onde moro, sabendo que terei dinheiro para pagar o condomínio. Quero aproveitar a vida, viajar, comer bem registrou no MIS.