Mais do que uma homenagem póstuma a Stanley Kubrick (1928-1999), a escolha de Cannes de exibir “O iluminado” (1980), em sua 72ª edição (de 14 a 25 de maio), sinaliza todo o vigor da mitologia sombria criada por Stephen Edwin King de 1967 até hoje, não apenas em sua obsessão por monstros e fantasmagorias, mas por seu estudo de geografias, físicas e morais. Uma delas, a de uma calunga de tribo indígena capaz de trazer os mortos de volta a este plano de realidade, fascina a cultura pop seja como literatura (este enredo de King virou romance em 1983), seja como cinema, tendo sido filmada em 1989, por Mary Lambert.
No aniversário de 30 anos do filme que tornou o livro ainda mais cultuado, os diretores Kevin Kölsch e Dennis Widmyer esboçaram uma no versão da trama, modificando detalhes aqui e acolá, dando mais (e melhor) ênfase à figura de Church, um gato que regressa do Além quizilado, furioso. Existe no novo “Pet Sematary” um apuro técnico, sobretudo na fotografia, que a versão da década de 1980 sequer esboçava. E há um combustível que arde como uma força mais assombrosa (para o Bem) do que as manifestações das trevas: o talento de John Lithgow.
No apogeu de sua carreira, o ator-fetiche de Brian De Palma, com quem fez o suntuoso “Síndrome de Caim” em 1992, entra aqui como um oráculo que orienta o protagonista, o Dr. Louis (o bom Jason Clarke), acerca dos perigos de se brincar com a Morte. O regresso de Church dá arrepios, pois o felino evoca o tônus trágico de outro animal demoníaco, o bode Black Phillip de “A bruxa”, um cult de 2015. Mas Kölsch e Widmyer (do irregular “Feriados”) comentem o erro grave de não optarem por que linha de horror vão seguir, desperdiçando a rica dimensão realista que King levanta em sua discussão sobre a depredação do legado tribal. Por vezes, este retorno ao “Cemitério...” patina pela dinâmica do gore, filão sangue e tripas no qual a brutalidade requer grafismos exibicionistas. Por vezes, o caminho é do intimismo, à moda Roman Polanski em seu “O bebê de Rosemary” (1968). Mas a indecisão prejudica o resultado final, criando um filme que descamba para o insosso e para o ridículo, na direção do elenco mirim.