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Verbetes bem comportados

Cotação: * * * (Bom)

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Escrito pelo cineasta inglês John Boorman (“Amargo pesadelo”), em parceria com o produtor Todd Komarnick e com o cineasta de origem iraniana Farhad Safinia, a partir do livro “The Surgeon of Crowthorne” (1998), de Simon Winchester, “The professor and the madman” é um projeto de US$ 25 milhões que quase bate na trave por conta de divergências judiciais entre a Icon e a Voltage Pictures. As duas divergiam sobre certas liberdades criativas na adaptação, que, inicialmente, seria dirigida por Mel Gibson e, posteriormente, acabou nas mãos de um estreante: Safinia só havia rodado um curta, “Outside the box” (2001). Mas como Gibson - que vive um dos papéis centrais do filme, aqui chamado “O gênio e o louco” - costuma manter seus filmes sobre um controle de qualidade rígido, a falta de experiência do realizador não se faz notar – ou doer. Chega a surpreender a habilidade com que Safinia consegue equilibrar egos tão inflados – e distintos – como os de Gibson e o de Sean Penn, ambos magistrais no resgate histórico do processo de criação do dicionário “Oxford”. Mais do que ser “um filme sobre um livro essencial”, este drama sobre enciclopedismos volta seu iluminismo sobre uma amizade real: a relação de afeto entre o linguista autodidata James Murray, possuído pela onipotência da vaidade literária, e o médico William Chester Minor, vítima de esquizofrenia. Difícil é saber quem é quem quando se avalia o título original deste drama de época, amparado por uma fotografia saturada (clicada por Kasper Tuxen), que amplia sua dimensão teatral.

Na montagem, vemos planos longuíssimos em que ambos os personagens, cada qual em seu cenário (um num hospício, outro, num gabinete), entregam-se a solilóquios apaixonados. É um exercício de linguagem clássico, que evoca “O homem que não vendeu sua alma” (1966), de Fred Zinnemann, e “Amistad” (1997), de Spielberg. O verbo é a água benta que dessalga os pecados de seus protagonistas e afasta os demônios de ambos, permitindo uma comunhão de almas e de saberes. Gibson relembra seus melhores dias como ator (de “Gallipoli” a “O preço de um resgate”) numa esgrima com Penn. É pena que a aposta num classicismo apolíneo não leve a edição a tomar ousadias capazes de jogar com os surtos esquizofrênicos de Minor ou com a empáfia de Murray. Sobra um espetáculo comportado demais, ainda que com atuações pautadas pela paixão.