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Crítica - Tríplice olhar sobre o feminino iraniano

divulgação -
Behnaz Jafari na viagem pelo Irã profundo de "3 faces"
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**** (Muito Bom) 

Os valores tradicionais e repressivos de uma nação islâmica voltam a ser tema do cineasta iraniano Jafar Panahi. O desafio agora é do road movie “3 faces”. Nesse filme de estrada, Panahi e a atriz Behnaz Jafari interpretam a si mesmos. A trama começa com a análise de um vídeo selfie. Na imagem, uma jovem desesperada relata o sonho de ser atriz e o sofrimento com a repressão da família. A gravação sugere um desfecho trágico.

A renomada atriz e o diretor observam detalhes da imagem e partem em busca da jovem e da verdade por trás do vídeo. O questionamento sobre a realidade do relato ou apenas encenação, acompanha os dois na viagem pelo interior do Irã. O longa remete ao caráter oblíquo de filmes do mestre compatriota Abbas Kiarostami, como “O vento nos levará” (1999).

Panahi usa questões como o lugar da mulher dentro de casa e a virilidade masculina, que evidenciam a pressão religiosa da comunidade, para retratar três mulheres. A jovem que gravou o vídeo é representante do futuro. A própria Jafari é o símbolo do presente. E uma antiga atriz do período monárquico pré-revolucionário, que vive reclusa num casebre, representa o passado.

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Behnaz Jafari na viagem pelo Irã profundo de "3 faces" (Foto: divulgação)

A veterana é um personagem enigmático. Nunca mostrada, ela é uma espécie de símbolo de independência para os jovens, dedicada agora à manifestação artística da pintura. A criação pode ser represada, mas há sempre um meio de expressão. Um desafio aos membros provincianos da aldeia. Mais uma vez, o tom documental, fundido com a ficção, reflete as próprias histórias do diretor e da atriz principal. Ele alvo de uma deplorável prisão domiciliar.

Vencedora do prêmio de melhor roteiro para Panahi e Nader Saeivar no Festival de Cannes 2018, a obra promove uma imersão na paisagem árida. Mesmo que a realidade insista em dizer que o estado das coisas está longe de mudar, o cineasta mantém a fagulha de esperança que é o próprio ato dele de filmar num território de múltiplas visões reprimidas.