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Crítica - 'Chorar de Rir': ser ou não ser engraçado, eis a questão

*** (Bom)

Divulgação -
'Chorar de rir'
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Herdeiro de uma tradição humorística que vem de Ankito, José Santa Cruz e outros bambas do sorriso, Leandro Hassum construiu um dos mais sólidos e rentáveis legados de nossa comédia, no momento em que ganhou espaço para solar sob os holofotes do cinema, à frente da franquia “Até que a sorte nos separe”, em 2012. Nenhum ator encarnou (e moldou) melhor o conceito de neochanchada: crônicas de costume focadas na subjetivação de indivíduos que passaram a ser notados a partir da inclusão econômica e social das classes C e D, a partir de 2003. Seu tom varejão traduziu com perfeição esse movimento inclusivo. Mas os ventos que sopram sobre o país agora são outros, o que obriga o Humor a mudar também: piadas de ontem são ofensas hoje e, patrulhas à parte, existem outras necessidades que a arte precisa aplacar. Uma delas, em tempos de lugar de fala e empoderamento, é o princípio do “reconhecimento”, assunto que move Hassum no tenro e terno “Chorar de rir”. O filme estreia quinta (21 de março) e se impõe visualmente à luz e às cores do requinte plástico de Toniko Melo à direção.

Macaque in the trees
'Chorar de rir' (Foto: Divulgação)

Realizador de “VIPs” (troféu Redentor de melhor filme do Festival do Rio de 2010), Toniko filtra o varejo de Hassum e foca nos afetos e no debate, sem diluir a graça, para abrir uma discussão sobre o valor estético do comediante no planisfério da arte. Impressiona no longa-metragem o refinamento da direção de arte de Marghe Pennacchi (espertíssima na seleção de cor dos objetos de cena). Igualmente possante é a luz saturada (na medida certa) do fotógrafo Ulisses Júnior Malta. No doce recheio do filme, há algo das comédias americanas dos anos 1980 padrão Steve Martin, em especial “Um espírito baixou em mim” (1984), mas também um toque de Ronald Golias e sua “Família Trapo”.

Numa gangorra entre o romantismo de Dean Martin e a maleabilidade gestual de Jerry Lewis, Hassum é uma espécie de Bronco Dinossauro (personagem de Golias): o humorista de TV Nilo Perequê. Fatigado após anos a fio de desprestígio em seu trabalho à frente de um programa humorístico, Perquê resolve sair pela tangente do drama a fim de reinventar sua equação emotiva. Fazer “Hamlet” parece ser sua saída. Mas se o príncipe de Shakespeare não foi capaz de precisar “o algo de podre que havia no reino da Dinamarca” e não teve êxito em se decidir sobre ser ou não ser, talvez ele não seja o melhor aliado para os males na alma de Perequê. Pelo menos não quando um feiticeiro (Sidney Magal) é contratado por uma fonte misteriosa para fazer mandinga e debelar seus planos.

Nas raias do fantástico, bem amparado pelo roteiro de José Roberto Torero, Toniko não perde a linha do family film, ao dirigir o longa, e constrói um ensaio sobre reciclagens de vida que vai além do âmbito pessoal, tendo a paternidade como sua estrela de Belém. O apoio que Nilo tem de seu pai (papel de Perfeito Fortuna, dando banhos de carisma) é um astrolábio para sua navegação pelas águas bravias do Trágico e do Existencialismo. E, no navegar, Nilo esculpe no vasto talento de Hassum formas que o público não conhecia, sem arranhar a persona (o homem comum em busca de um carinho para chamar de seu) que o caracterizou, nesta trama sobre o um artista que anseia por ser reconhecido. No elenco, que conjuga titãs como Jandira Martini, Fulvio Stefanini e Otávio Müller (perfeito em todas as aparições), o destaque é Caito Mainier, do coletivo Choque de Cultura, no papel de um apresentador de programa de fofocas obcecado por Perequê – este herói que, nas do patético, ergue seu ethos como um Hamlet bufo, à caça de uma identidade que seja respeitada e reconhecida.

Tags:

cinema | crítica | rir