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Filme sobre psicopata que assombrou a Alemanha nos anos 1970 divide a Berlinale

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Ganhador do Urso de Ouro em 2004 por “Contra a parede”, um filme de amor ligado a valores culturais de Istambul, o cineasta alemão de origem turca Fatih Akin, de 45 anos, vem rachando opiniões na 69ª edição do Festival de Berlim com um trabalho inédito (e de maturidade técnica indiscutível) sobre um dos maiores pesadelos do povo de Hamburgo: o serial killer Fritz Honka (1935-1998). Com feições assustadores, dos dentes pobres aos olhos tortos, ele esquartejou quatro mulheres, entre 1970 e 75, mantendo seus corpos em decomposição guardados num cômodo do apartamento onde morava. O mau cheiro dos cadáveres ele imputava aos vizinhos gregos do apartamento de baixo, num exercício de xenofobia. A versão de Akin dispensa toda a linha existencial que caracteriza a obra do realizador – consagrado recentemente com o Globo de Ouro por “Em pedaços, de 2017 – e aposta na cartilha do suspense. Desde o início do evento, na quinta, nada exibido aqui foi tão controverso ou tão assombroso. E seu astro, Jonas Dassler, tem tudo para ganhar o Urso de Prata de melhor atuação, pela composição de Honka.

“Eu levava pelo menos 30 minutos por dia para me livrar da maquiagem que descaracterizava meu rosto”, contou Dassler à Berlinale.

“Mas não é de próteses ou de cremes que vinha aquele monstro e sim da maneira como Jonas buscou o terror de si, de seu olhar sobre o mundo”, disse Akin. “Vivemos tempos onde o crime sexual ganhou visibilidade. Filmar um crime desse tipo exige uma postura ética na qual toda a brutalidade contra a mulher seja escancarada como algo a ser combatido. Quisera eu viver num mundo com menos psicopatas”.

Regado a clássicos do cancioneiro brega germânico, “The Golden Glove” tomou seu título emprestado do bar onde Honka caçava suas vítimas. O filme estreia em circuito alemão no dia 21, com potência para se tornar um campeão local de bilheteria.

No sábado, Berlim se deliciou com a fotografia exuberante do drama norueguês “Out stealing horses”, de Hans Petter Moland, no qual o astro sueco Stellan Skarsgärd (o Villegagnon do épico “Brasil Vermelho”) vive um viúvo às voltas com fantasmas de sua juventude – e com o legado nazista de sua pátria. De todos os competidores exibidos, é o que tem a mais sofisticada engenharia de som. Skarsgärd é único rival de Dassler a prêmios até agora.

Fora da competição oficial pelo Urso dourado, na seção Panorama, a Berlinale caiu de amores por um filma latino-americano, vindo da Guatemala, sem espaço algum para doçura, que aborda criticamente um dos dilemas morais mais controversos da atualidade: cura gay. Em “Tremores” (“Temblores”), Jayro Bustamente (premiado em Berlim, em 2015, com “Ixcanul”) dirige a dramática saga de “conversão” de um consultor financeiro que decidiu largar sua mulher para viver com um amante. A aversão de sua família ao homossexualismo obriga que ele seja “tratado”. Há um momento em que uma pastora educa a ex-mulher do protagonista por uma doutrina sexista, segundo a qual “a esposa não deve desafiar o marido”.

“As religiões na Guatemala partem do princípio que ‘curar’ é um gesto de amor”, diz Bustamante, ciente da atual polêmica brasileira de que o cancelamento da estreia do filme americano “Boy Erased” (também sobre cura gay) em circuito nacional poderia estar ligada a um boicote do governo Bolsonaro – fato já contestado pela distribuidora do longa e pelo presidente. “Legalmente, não há punição em terreno guatemalteco para quem é gay. Mas há um boicote moralista”.