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Crítica/Teatro - 'Vala comum': A carne mais barata do mercado

Divulgação -
O espetáculo 'Vala comum', dirigido por Ivan Sugahara, é montado nos cômodos de um casarão da Tijuca
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Arte in situ, site specific têm sido uma tendência em todas as artes. Esculturas, concertos, performances, instalações integram a paisagem configuradas uma situação espacial específica e levam em conta as características do local. Em teatro, se torna uma experiência muito interessante, pois a plateia se vê obrigada a se mover e a se mobilizar na interação com o espetáculo. “Vala comum” transforma os cômodos de um casarão da Tijuca em um verdadeiro conjunto de sets, como se estivéssemos em um estúdio para mostrar as situações limítrofes entre a vida e agressão à carne.

Idealizado por Thiago Teófilo, ator que integra o grupo Impulso Coletivo, composto por atores formados em diferentes períodos do Bacharelado em Artes Cênicas da Casa das Artes de Laranjeiras, a CAL, que resolveram, a partir de suas vivências pessoais - muitos deles são oriundos das áreas periféricas do Rio - fazer um espetáculo que, ao mesmo tempo continuem as pesquisas que fizeram durante o curso, criando uma dramaturgia que vá além dos princípios clássicos, ouse fora das quatro paredes.

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O espetáculo 'Vala comum', dirigido por Ivan Sugahara, é montado nos cômodos de um casarão da Tijuca (Foto: Divulgação)

Com direção de Ivan Sugahara, com dramaturgia assinada por Carolina Lavigne e orientação de dramaturgia de Pedro Kosovski, “Vala comum” se compõe de quadros, que funcionam para descrever os sentimentos que emanam da situação dos animais , ampliando o percurso para a relação humana com o físico, até a forma pela qual as pessoas são tratadas/maltratadas em seus corpos. Aparentemente, o sentido se encerra em cada quadro, mas a direção de Ivan vai além de conseguir dos atores o seu melhor, tarefa em que é bem-sucedido, mas de forma invisível cria um fio condutor que ao final, além do impacto que a própria plateia é submetida fisicamente, dar a compreensão clara da proposta.

Tem churrasco de domingo, tem matadouro, tem gente apertada na lavanderia, tem gente morta, tem confraternização, tem baile, tem humor. É um mix, um correr de narrativas que, apoiadas pelo forma como cada cômodo foi adaptado, faz de Vala Comum um momento de mistura entre teatro e outras expressões. Não existe uma história, nem personagens no sentido tradicional. A cada um dos movimentos, os atores desempenham de acordo com o que se diz, mas sobretudo com aquilo que se quer dizer. É um espetáculo absolutamente claro. Mas não é simplista. A comunicação, bastante próxima, com oferecimento de pequenos pedaços de churrasco, licor , é fundamental para que a sensação de incômodo, força motriz, sirva apenas a que haja identificação.

Como a história do camponês João Pedro Teixeira, personagem principal do documentário “Cabra marcado para morrer”, aqui não se limita ao óbvio “do pó viemos, ao pó voltaremos.” Não é inevitabilidade da morte como princípio humano. É a denúncia contundente que uns, seja pela sua condição animal, como os bois, seja pela sua condição social, como os que vivem em áreas de risco, nas quais a matança integra o cotidiano. Os atores, orquestrados pelo consistente trabalho de Ivan Sugahura, inspirado pelo livro “Necropolítica”, do camaronês Achille Mbembe, se dividem entre a representação do humano, o desespero do destino inexorável e a leveza de estarem fazendo teatro. Fora dos palcos, sem ribalta, mas próximos dos corações e mentes daqueles que assistem.

Serviço

VALA COMUM - Casa da Tijuca (R. Carmela Dutra, 97 - Tijuca). De sex. a seg, às 19h30. Duração: 80 minutos. Classificação: 16 anos. Contribuição consciente.

* Professora do Depto de Comunicação da PUC-Rio e doutora em Letras