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Vinho com história para contar

Vinícola gaúcha lança lote limitado de rótulo fermentado em ânforas de barro, ao estilo da Roma Antiga

Ivo Rodrigues da Rosa/Divulgação -
A vinícola familiar Lídio Carraro, de Bento Gonçalves, está produzindo para 2020 o primeiro vinho fermentado em ânforas de barro, um processo que teve origem na Roma Antiga
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Uma das mais prestigiadas e inovadoras vinícolas brasileiras, a gaúcha Lidio Carraro, está lançando uma tiragem limitada de vinhos fermentados em ânforas de barro, técnica ancestral que remonta mais de 2 mil anos. São ao todo 1,2 mil garrafas de um corte das castas Merlot, Pinot Noir e Nebbiolo da safra 2018. O projeto é inédito no Brasil e os recipientes de terracota foram confeccionados com a argila dos vinhedos próprios da Lidio, em Encruzilhada do Sul (RS).

Iniciativa dos irmãos enólogos Giovanni e Juliano Carraro, o projeto resume a obsessão desta empresa familiar na busca de rótulos que expressem,literalmente, o terroir brasileiro."A ideia nasceu do desejo de proporcionar a mais íntima relação entre as uvas e nosso solo. Por isso, extraímos a argila dos nossos vinhedos", explica Juliano.

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Giovanni diz que fermentação em terracota reflete a identidade do solo do vinhedo (Foto: Ivo Rodrigues da Rosa/Divulgação)

De acordo com Giovanni, o corte escolhido contempla uvas com identidade, corpo e complexidade."Quisemos destacar com nitidez a mineralidade que o contato com as ânforas pode proporcionar", argumenta o enólogo, reforçando que a porosidade da terracota permite uma transpiração do recipiente fermentador semelhante à obtida com os barris de madeira sem, no entanto, interferir no sabor e aroma do vinho.

Os vinhos de ânfora são famosos por serem mais elegantes e equilibrados, minerais e terem taninos redondos. É que o material das ânforas, um barro cozido chamado terracota, transpira como um barril de madeira, mas não interfere no gosto do líquido. Por isso, o vinho de ânfora é envelhecido sem a influência do sabor da madeira, resultando em uma bebida especial e única, mais natural e autêntica.

Giovanni esclarece que cada variedade fermentou separadamente nas ânforas (são duas, cada uma com capacidade 500 litros) por um período de 12 a 25 dias, permanecendo por mais 20 dias para finalização da fermentação malolática (espontânea que ocorre, por meio de bactérias após a fermentação alcoólica para reduzir a acidez dos vinhos). Em todo processo, foram utilizadas leveduras selvagens (naturais). Os vinhos permaneceram, em média, 90 dias em ânforas, sendo acondicionados depois em pequenos tanques de aço inox para proporcionar o resfriamento. Após esse período, os vinhos foram mesclados em justas proporções, buscando valorizar características relevantes da cada casta. "É possível perceber a evidência da mineralidade agregada pela ânfora", relata Giovanni. Antes de ser disponibilizado para a venda, o vinho ainda passou por um estágio de 60 dias nas talhas, antes de ser engarrafado e outro período de 12 meses na vinícola. A previsão é de que a bebida seja entregue somente no próximo ano.

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Salão principal da adega da vinícola José de Souza, no Alentejo, em em Portugal, que possuí 114 talhas de barro para a fermentação de vinhos (Foto: José de Souza/Divulgação)

O vinho foi lançado em sistema de pré-venda, com restrição de duas garrafas por comprador. "Definimos este limite pensando na experiência do apreciador que pode abrir e degustar a primeira, deixando a segunda para mais tarde. Assim, será possível acompanhar a evolução da bebida", explica o enólogo. O valor de cada cota é R$ 549, com frete grátis para capitais e regiões metropolitanas.

O método consiste em vinificar a bebida em ânforas de barro. As uvas são maceradas e fermentadas dentro das jarras de cerâmica e são colocadas na terra para manterem a temperatura certa para a fermentação. As tampas das ânforas são lacradas com cera de abelha e enterradas por sete meses, onde os vinhos ficam fermentando, sem qualquer intervenção humana. Depois desse tempo, os vinhos vão para tonéis, também de ânfora, onde ficam repousando, em média, por cerca de quatro anos.

O processo de produção do vinho de ânfora remonta à Roma Antiga, e há registros de que já era executada, além da Itália, nas províncias da Gália (atual França) e na Península Ibérica. Hoje, a técnica vem sendo resgatada por alguns produtores, com o objetivo de produzir vinhos mais naturais. No entanto, na região do Alentejo, no Centro-Leste de Portugal, essa prática milenar nunca se perdeu. Lá, a bebida é chamada de vinho de talha. No centro da cidade de Reguengos de Monsaraz, quase fronteira com a Espanha, fica a adega da vinícola José de Sousa, que expressa esta tradição. Em seu salão principal, estão 114 talhas de barro seculares.

Os vinhos de talha também podem ser vistos nas vinícolas Casa Relvas, em Évora; na Cortes de Cima, em Vidigueira; e até na gigante Esporão, em Reguengos.

José de Souza/Divulgação - Salão principal da adega da vinícola José de Souza, no Alentejo, em em Portugal, que possuí 114 talhas de barro para a fermentação de vinhos
José de Souza/Divulgação - Salão principal da adega da vinícola José de Souza, no Alentejo, que possuí 114 talhas de barro para a fermentação de vinhos
Ivo Rodrigues da Rosa/Divulgação - Detalhe das ânforas utilizadas pela Lídio Carraro
Ivo Rodrigues da Rosa/Divulgação - Giovanni diz que fermentação em terracota reflete a identidade do solo do vinhedo