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O touro indomável

De volta às telas como Rocky Balboa em Creed 2, Sylvester Stallone conquista (enfim) o respeito da crítica, e promete surpreender exibidores com Rambo 5

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Sylvester Stallone chegou aos 72 anos gozando de uma produtividade e de um prestígio popular que nenhum outro astro do cinema de ação tem
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Empenhado em finalizar um roteiro iniciado há quase quatro décadas sobre o escritor Edgar Allan Poe (1809-1849), que sonha dirigir, Sylvester Stallone chegou aos 72 anos gozando de uma produtividade e de um prestígio popular que nenhum outro astro do cinema de ação tem, a começar pela calorosa recepção de público (e de crítica) a seu regresso como Rocky Balboa. O Garanhão Italiano volta, pela oitava vez desde a primeira aparição, em 1976, como mentor do jovem Adonis (Michael B. Jordan) em “Creed II”, produção de US$ 50 milhões que chega ao Brasil hoje, após ter sido coroada nas bilheterias do exterior com US$ 175 milhões. O anterior deu a ele um Globo de Ouro de melhor coadjuvante e uma indicação ao Oscar. Este salpicou o astro ítalo-americano de elogios e impediu que concorresse à Framboesa de Ouro, o Razzie Award, estatueta que celebra o pior de Hollywood. Sly - como ele é apelidado nos EUA - ganhou vários Razzies, sem querer. Mas esse tempo de escárnio com sua imagem ficou para trás. Uma das provas é o fato de uma das bíblias da cinefilia na França, a revista “Première”, ter incluído um projeto ainda inédito de Stallone, “Rambo 5: Last blood”, na lista das cem estreias de mais importância de 2019. Sinal dos tempos: o brucutu de ontem é cult hoje.

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Sylvester Stallone chegou aos 72 anos gozando de uma produtividade e de um prestígio popular que nenhum outro astro do cinema de ação tem (Foto: Divulgação)

Um dos mais ferinos críticos dos EUA hoje, A. O. Scott, do “The New York Times” afirma que “a retomada da franquia ‘Rocky’, focada nos dilemas e triunfos de Adonis Creed, representa a única série cinematográfica de heróis digna de atenção hoje”, elogiando o trabalho de Steven Caple Jr. na direção. “Os momentos de dor, de humor e de intimidade tornam ‘Creed 2’, uma experiência sólida e satisfatória”, escreve Scott, destacando a colaboração de Stallone no roteiro, que revisita a geopolítica de ‘Rocky IV’, fenômeno popular de 1985, que lançou o pugilista russo Ivan Drago (Dolph Lundgren), de volta aqui.

>> Drago também brilha: confira crítica do filme "Creed 2"

Na revista “Variety”, o crítico Owen Gleiberman elogia em sua resenha a discrição que marca a interpretação de Balboa, 43 anos depois do lançamento de “Rocky, um lutador”, produção de US$ 960 mil que arrecadou US$ 225 milhões e ganhou os Oscars de melhor filme, direção (para John G. Avildsen) e montagem. A “Variety” foi um dos primeiros veículos a divulgar o cartaz de “Rambo 5”, visto pela primeira vez no Festival de Cannes, em maio. Já rodado, o longa traz o ex-combatente do Vietnã John Rambo no rancho de sua família, às voltas com um cartel de drogas do México. “Stallone é um dos atores de carreira mais longeva do cinema e levanta seus projetos por um esforço próprio”, diz o dublador gaúcho Luiz Feier Motta, que herdou de André Filho (morto em 1997), a tarefa de ser a voz oficial de Sly por aqui. Raros foram os elogios colhidos por Stallone em sua carreira, com a exceção de “Copland” (1997), no qual ele vive um xerife às voltas com a corrupção de uma cidadezinha povoada de policiais corruptos. Os adjetivos que hoje enaltecem seu trabalho em “Creed II” fazem dele o astro de thrillers de violência com melhor reputação em Hollywood. Colegas outrora famosos como Arnold Schwarzenegger e Bruce Willis hoje são tratados como peças de museu, incapazes de se posicionarem como protagonistas em produções nas quais o cinemão aposte. Steven Seagal só faz filmes para a TV ou canais de streaming. Já Jean-Claude Van Damme voltou a ganhar prestígio com a série “Jean Claude Van Johnson” e o filme europeu “Lukas”. Porém, em solo hollywoodiano, falta espaço para o Grande Dragão Branco. Mas sobre Stallone, os holofotes seguem acesos, até em ambiente acadêmico. Em meio à celebração dos 40 anos de “Rocky, um lutador”, em 2016, as livrarias americanas receberam “The Ultimate Stallone Reader – Sylvester Stallone as Star, Icon, Auteur”, antologia de ensaios críticos organizada pelo professor Chris Holmlund, da Universidade do Tennessee, com o apoio de um corpo docente de teóricos das maiores faculdades dos EUA. O livro, ainda em destaque no mercado editorial, aborda a simbologia do astro como herói. O mesmo foco se dá nos documentários “John G. Avildsen: King of underdogs” e “40th Years of Rocky – The birth of a classic”, ambos do cineasta Derek Wayne Johnson. Neles, o documentarista lembra que Avildsen foi incumbido pelos produtores Irwin Winkler e Robert Chartoff, em 1975, da tarefa de fazer do roteiro de um desconhecido chamado Stallone um drama popular. Quando vendeu seu roteiro (escrito em três dias e meio, em decorrência da emoção vivida após uma luta de Muhammad Ali na TV) para a United Artists, sonhando protagonizá-lo, Stallone ouviu muito “Não!” e “Você não é o ator adequado” da indústria. Engravatados de Hollywood enxergavam nomes mais famosos do que ele como potenciais escolhas para viver o Garanhão Italiano: os mais cotados eram Robert Redford, Ryan O’Neal, Burt Reynolds e James Caan. Mas ele bateu o pé: só venderia o script se o papel fosse seu. Winkler e Chartoff bancaram a escolha. Valeu a aposta.

“O primeiro ‘Rocky’ traz uma das cenas mais emblemáticas de redenção da história. No round 14, quando Rocky cai, todos dizem para ele continuar no chão, e não levantar, de tanto que se machucou, mas ele fica de pé e clama por mais uma chance”, diz Derek ao JB. “Minha vida não teria sido a mesma sem essa cena. É um exemplo de superação que torna Balboa um personagem inesquecível”.

*Roteirista e crítico de cinema