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A cidade cerzida

Exposição de Cocco Barçante homenageia artesanato e empreendedorismo feminino

Fotos: José Peres -
Painel do Cristo Redentor, feito com bordados, ganha réplica com lixo de informática (foto menor)
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O conceito da cidade partida é por demais conhecido - uma leitura precisa das diferenças sociais e culturais que compõem os tecidos urbanos do Rio. O verbo que menos se conjuga, no entanto é unir. Ao longo de 42 anos de carreira, o artista plástico Cocco Barçante dedica-se a juntar essas pontas e construir uma unidade em que prevaleçam o amor e o respeito, apesar das diferenças. Não por acaso, “Cidade cerzida” é o nome de um dos painéis da exposição “Um rio de sentimentos”, que entra em cartaz amanhã no Centro Cultural dos Correios.

Macaque in the trees
Exposição "Rio de Sentimentos", em cartaz no Centro Cultural dos Correios, mostra painéis de bordados de Cocco Barçante e homenagem aos artesãos (Foto: Jose Marinho Peres)

A mostra é dividida em três ambientes e propostas que resumem a trajetória do artista. No espaço principal, batizado de Sala Cidade, o destaque é o conjunto de 15 painéis bordados produzidos em oficinas de cidadania e sustentabilidade que o artista promove em comunidades como Maré, Rocinha, Cidade de Deus e Complexo do Alemão desde 2002. São grandiosas peças de cerca de dois metros de altura cuidadosamente costurados por artesãos locais. “Nas oficinas, discutimos a concepção da obra que ora se valem de diferentes técnicas de bordado ora utilizam pintura em tecido. Definido o quebra-cabeças, eles vão para a finalização que é a etapa mais demorada”, conta. Peças dessas dimensões podem levar de oito meses a um ano para serem concluídas.

Os painéis mostram cenas cotidianas da cidade, seus cartões-postais, sua gente e suas cores, mas o Cristo Redentor é um fio condutor de quase todos esses trabalhos. “Independente da leitura religiosa, a imagem do Cristo de braços abertos para toda a cidade é um poderoso discurso de inclusão e acolhimento, de aceitação de nossas diferenças que podem e devem ser transformadoras e não trincheiras de luta”, destaca o artista, conhecido por valorizar o artesanato desenvolvido no estado do Rio e que reforça o empoderamento feminino através da arte.

O inédito painel “Rio de amor, para os amores das nossas vidas” será lançado na exposição. A peça foi bordada por artesãs da região do Vale do Café e levou oito meses para ser finalizada. O trabalho foi inspirado no sentimento que Cocco tem da cidade. “O Rio visto pelo artista é um Rio sem limitações de espaços e cores. O branco e o preto se fundem para criar uma terceira cor. Cor essa que é a fusão dos corpos em um só Cristo”, destaca o curador José Luiz de Souza Lima, nascido e criado na Maré.

Reaproveitar e ressignificar

Esse empoderamento de artesãos e de ressignificação de seu papel na construção de uma linguagem artística marca presença na Sala Museologia Social, que mostra parte do acervo do Museu do Artesanato, criado há cinco anos pelo artista em Petrópolis. Chama a atenção a imagem de São Francisco de Assis feita com reaproveitamento de papel, obra do artesão Mário Luís, de Conservatória. O espaço reúne 300 peças produzidas nas comunidades do Rio e em diversas cidades do estado, feitas com reaproveitamento dos mais variados materiais.

Macaque in the trees
Cocco Barçante ministra oficinas de arte em comunidades (Foto: Jose Marinho Peres)

Recortes desse trabalho que reaproveita diversos materiais podem ser vistos na Sala Empreendedorismo. O poder empreendedor feminino é representado por uma enorme mandala formada por máquina de costura, tecidos reaproveitados de malotes bancários e caixas de papelão. A instalação artística é um trabalho conjunto das crianças do projeto FavelaArt, do Complexo do Alemão, e do grupo Nós do Ponto Chique, de Padre Miguel. “As obras expõem a realidade dos artesãos, seus anseios e suas expectativas sobre o meio urbano onde vivem. E mostram, com muita sensibilidade, o quanto o artesanato os consola, os valoriza perante a sociedade e, acima de tudo, contribui para o aumento da autoestima”, explica Cocco.

Já a Sala Planeta é dedicada à metarreciclagem de lixo tecnológico, um trabalho que Cocco começou a desenvolver com alunos .da Faetec de Petrópolis. Técnicas tradicionais de artesanato abraçam uma matéria-prima dura e desprovida de poesia. E das sobras de peças de computadores, como teclados, cabos, conectores, parafusos e até cacos de vidro ou acrílico, brotam luminárias feitas com restos de monitores de vídeo e painéis. Placas-mães formam um mapa mundi de 3 metros. “Quando vi essas placas, era muito fácil visualizar uma cidade pulsante”, recorda o artista, que chama a atenção para os hábitos de consumo da sociedade atual e a necessária relação entre meio ambiente e responsabilidade social.

Cocco concebeu para a exposição a realização de oficinas de criação, para provocar o visitante a repensar sua responsabilidade com o meio ambiente e, ao mesmo tempo, fazer parte de um processo criativo compartilhado. “O visitante pode trazer pequenas peças como teclados, mouses, cabos, fios e placas para as oficinas”, avisa.

Entre 22 a 27 de fevereiro, será montado um atelier interativo, denominado Viva o Carnaval Carioca - os visitantes terão a oportunidade de interagir com fantasias e máscaras de carnaval de diversas escolas de samba do Rio, sempre das 13h às 18h e participar de uma oficina de máscaras artesanais.

O processo criativo feito a várias mãos estimula um somatório de sentimentos. Uma teia de componentes que emociona pela criatividade e nos coloca diante das histórias e vivências de artistas anônimos.

UM RIO DE SENTIMENTOS – COCCO BARÇANTE

Centro Cultural Correios do Rio de Janeiro (Rua Visconde Itaboraí, 20 – Centro)
Vernissage: hoje, a partir das 17h – De amanhã até 10/3 – ter. a dom., das 12h às 19h – Entrada franca

Jose Marinho Peres - Exposição "Rio de Sentimentos", em cartaz no Centro Cultural dos Correios, mostra painéis de bordados de Cocco Barçante e homenagem aos artesãos
Jose Marinho Peres - Cocco Barçante ministra oficinas de arte em comunidades
Jose Marinho Peres - Dinossauro feito com latas de sardinha, de achocolatado e tampinhas de refrigerante
Jose Marinho Peres - Exposição "Rio de Sentimentos", em cartaz no Centro Cultural dos Correios, mostra painéis de bordados de Cocco Barçante e homenagem aos artesãos