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Obituário: Marcelo Yuka, aos 53, músico e letrista

Wilton Junior/AE -
Marcelo D2 no velório de Marcelo Yuka
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Morreu no final da noite de sexta-feira, aos 53 anos, de septicemia (infecção generalizada), o músico Marcelo Yuka, fundador, letrista e ex-baterista de O Rappa e, posteriormente, idealizador da banda F.U.R.T.O. Ele estava internado no Hospital Quinta D’Or, em São Cristóvão, em razão do segundo acidente vascular cerebral (AVC) que sofreu, no dia 2 de janeiro - o anterior havia sido em agosto do ano passado. Seu corpo foi velado na tarde de ontem na Sala Cecília Meireles. Desde cedo, diversos artistas e amigos, a exemplo de Marcelo D2 e Emicida, manifestaram seu pesar pela morte de Yuka, através das redes sociais.

A vida de Marcelo Yuka, nome artístico de Marcelo Fontes do Nascimento Viana de Santa Ana, sofreu uma guinada radical no momento em que se tornou mais uma vítima da violência do Rio. Foi baleado em um assalto no Rio na noite de 9 de novembro de 2000, quando saía de casa para uma premiação e tentou impedir que oito bandidos roubassem o carro de uma mulher, nas esquinas das ruas Andrade Neves e José Higino, no bairro da Tijuca, Zona Norte do Rio. Os bandidos dispararam nove tiros no músico, todos pelas costas, e uma das balas atingiu a segunda vértebra torácica. Socorrido, foi levado para o Hospital do Andaraí em estado gravíssimo. Os médicos conseguiram salvar a sua vida, mas ele perdeu os movimentos da cintura para baixo, nunca mais conseguiria andar.

Em 2015, Yuka escreveu sobre o ocorrido em seu perfil no Facebook: “No dia de hoje, há exatos 15 anos, 9 tiros me colocaram na cadeira de rodas... Me perdi, subi e desci ao inferno sem ter a certeza que não voltaria mais à escuridão... Se cheguei até aqui foi por amor, o amor de várias mulheres, amigos e mestres de todas as idades.... Minha mãe para positivar a data me deu esse dia como mais uma comemoração à vida, logo vou fazer 50 anos enquanto tenho 15... Obrigado a quem realmente esteve e está do meu lado durante essa jornada... Em breve, posto a letra da música que a Céu canta no meu disco, em que agradeço por não viver na paralisia do rancor. Talvez essa seja a maior virtude que ganhei... Ame fora da caixa”, escreveu.

Yuka ajudou a fundar O Rappa em 1993, com a intenção de acompanhar o cantor caribenho Papa Winnie em suas apresentações no Brasil. O grupo era formado por Nelson Meirelles, que era produtor do Cidade Negra; Marcelo Lobato (Africa Gumbe); Alexandre Menezes, o Xandão, e Yuka (que havia passado pela banda KMD-5). Depois de excursionarem com Winnie, os músicos decidiram continuar juntos e procurar por um vocalista, inclusive anunciando a vaga pela Rio Fanzine, coluna de “O Globo”, através da qual chegaram a Marcelo Falcão. Yuka ficaria no grupo até 2001, assinando músicas que ditavam o rumo ideológico de O Rappa, como “Pescador de ilusões”, “Minha alma (A paz que eu não quero)”, “Fogo cruzado”, “Todo camburão tem um pouco de navio negreiro”) e, às vezes, até de amor (“Coincidências e paixões”). 

Rompimento com a banda  

Sua saída de O Rappa aconteceu depois de ele ficar paraplégico e de uma série de divergências entre ele e os integrantes do grupo. O F.U.R.T.O (Frente Urbana de Trabalhos Organizados), que fez sua estreia em 2004, segundo o que dizia em suas entrevistas, se tratava de um projeto ainda maior, com intenções sociais, algo que não seria viável n’O Rappa.

Yuka havia intensificado colaboração com outros artistas, como Elza Soares e Max de Castro, compondo e produzindo. Suas atividades paralelas foram motivo de objeção de colegas da banda, com os quais passou a discutir gradativamente. “Eles me mandaram embora em um momento em que eu estava com sequelas. Se fosse pelo direito trabalhista, isso já seria um crime. Foi crime”, declarou, durante entrevista em 2012, no lançamento do documentário “Marcelo Yuka no Caminho das Setas” (2011), de Daniela Broitman, que registrava sua vida e seu ativismo, e abordava a busca do ex-baterista pelo tratamento com células-tronco.

Depois da saída de O Rappa e várias sessões de fisioterapia, Yuka voltou a fazer música, embora, sem os movimentos das pernas, não pudesse mais tocar bateria, passando aos teclados. Também voltou a dirigir carro, porém, em 28 de fevereiro de 2009, novamente foi vítima de um assalto, ocorriodo a cerca de um quilômetro do local onde fora baleado antes. Dessa vez, os criminosos o jogaram para fora do carro, a socos, mas não conseguiram dar a partida no veículo e levaram o celular dele.

Militante de direitos e políticas sociais, especialmente sobre a violência, Yuka também teve passagem pela política e, dois anos depois de sua filiação ao PSOL em 2010, aceitou o convite de Marcelo Freixo, candidato do partido para o cargo de prefeito do Rio para integrar a chapa como candidato a vice. A chapa Freixo-Yuka terminou em 2º lugar com 914.082 votos, equivalente a 28,05%, mas não chegou ao 2º turno.

Em 2014, lançou o livro “Não se preocupe comigo” (2014), de sua autoria, em parceria com Bruno Levinson. Em 2016, o músico precisou ser internado devido a uma infecção causada pelos pinos implantados em sua perna. No ano seguinte, com o produtor Apollo 9, Yuka apresentou novo álbum “Canções para depois do ódio” (2017). Com instrumental inspirado, segundo ele, em batidas africanas, o trabalho tem vocais do cantor belga de origem congolesa Bukassa Kabengele (residente no Brasil desde os dez anos) e participação especial da cantora Céu. Ali, seu combustível era biográfico, ressaltando a depressão pela qual havia passado, tratada com ioga e meditação.

Início de carreira

Criado entre Campo Grande, na Zona Oeste, e Mambucaba, no limite de Angra dos Reis e Paraty, Marcelo Yuka tocava bateria na banda de reggae KMD-5 (posteriormente, Negril), de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, quando atendeu ao chamado do produtor Nelson Meirelles (Cidade Negra) para formar uma banda com ele, Xandão e Marcelo Lobato para a turnê pelo Brasil com Papa Winnie. O baixista Lauro Farias substituiu Meireles, depois de eles lançarem o álbum de estreia, em 1994.

O Rappa estourou mesmo dois anos depois, quando começou a ser tocado constantemente nas rádios pop do país com o CD seguinte, “Rappa mundi” (1996). Músicas assinadas por Yuka, como “A feira”, foram os grandes sucessos de autoria da banda, que ainda emplacou “Miséria S.A”, de Pedro Luís, e uma versão de “Hey Joe”, em que ele fez a letra em português com Ivo Meirelles.

A temática social e o reconhecimento chegaram ao ápice no terceiro álbum, “Lado B, Lado A”, de 1999, com mais letras ambientadas no cotidiano do Rio de Janeiro, sobre pobreza, tensões e violência – policial, principalmente, como em sua faixa mais divulgada, “Minha alma (A paz que eu não quero)”. Além da música, Yuka assinou ainda o roteiro do clipe, que mostra um confronto entre moradores de um bairro pobre e policiais, após a execução de um menino. O vídeo foi dirigido por Kátia Lund, que participara do documentário “Notícia de uma guerra particular”, de João Moreira Salles. Após esse trabalho, a diretora ganhou projeção e foi convidada pelo cineasta Fernando Meirelles para codirigir “Cidade de Deus”. O videoclipe é até hoje o mais premiado na história do MTV Vídeo Music Brasil, levando pra casa nada menos que seis prêmios.

No principal álbum da banda, Yuka é autor de sete das 12 faixas, sendo seis só (incluindo ainda “Me deixa” e “Tribunal de rua”) e uma em parceria com Falcão – a faixa-título “Lado B, Lado A”. Outras músicas, como “O que sobrou do céu”, também de seu autoria, eram conhecidas por todo país e O Rappa estava no auge, quando Yuka sofreu o assalto. Ele ainda integrava a banda quando O Rappa liderou um boicote ao Rock in Rio, ao lado do Cidade Negra (RJ), Raimundos (DF), Charlie Brown Jr. (SP), Skank e Jota Quest (MG). O motivo foi o tratamento diferente que o festival dispensava aos grupos brasileiros, privilegiando os estrangeiros. O corpo de Marcelo Yuka será enterrado hoje, no Cemitério de Campo Grande, às 13 horas. (com Estadão Conteúdo)

Depoimentos

Marcelo D2, músico

“Com a morte do Skunk a gente já começou perdendo, mas isso nos deu cumplicidade” disse Yuka uma vez. Muito difícil achar palavras nesse momento: Conheci Yuka antes da gente fazer Planet Hemp e o Rappa, apresentado pelo nosso amigo Skunk ... ele Yuka de uma inteligência e alegria contagiante e um dom de se engajar em causas sociais e pensar no próximo. Saudade eterna das suas histórias meu irmão! Te amo pra sempre” 

Marcelo Freixo

“Xará. Que falta você vai fazer! Como é difícil escrever algo agora. Sentirei muita falta das suas gargalhadas, apelidos, sonhos, da sua inteligência e principalmente da sua forma de amar o mundo. Quem teve o privilégio de te conhecer de perto, sabe o quanto você era especial.

Obrigado, Marcelo Yuka”

Emicida

“Descanse em paz, soldado da música que agora se mescla ao universo e ilumina os caminhos dos que a utilizam como arma para guerrear em nome de um futuro melhor para a maioria das pessoas.”

Maria Rita

“bacanudxs… marcelo yuka descansou… que a obra dele siga tocando as almas pra todo o sempre, especialmente neste momento que vivemos.

“PAZ SEM VOZ NÃO É PAZ. É MEDO.”

que ele descanse em Luz… que é o que ele merece.”

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morte | yuka