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Grace do Brasil

Um furacão tímido foi identificado e será homenageado na Mostra de Tiradentes

Divulgação -
Grace Passô está agora no longa-metragem "Temporada", pelo qual ganhou o prêmio de melhor atriz em Brasília
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Enquanto a cena artística não olhava, uma mineira de 38 anos tomou de assalto os corações e as mentes por onde passou. Para quem ainda não a conhece, é bom não perder de vista o nome e o rosto de Grace Passô, provavelmente uma das mais bem-sucedidas artistas da atualidade. Na verdade, nada foi muito de repente para ela, que criou uma estrutura dentro do universo teatral mineiro, a começar pela própria companhia Espanca, que fundou em 2004.

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Grace Passô está agora no longa-metragem "Temporada", pelo qual ganhou o prêmio de melhor atriz em Brasília (Foto: Divulgação)

Nascida em Pirapora, Grace foi criada pela mãe após a morte do pai, quando ainda era uma bebê. Cresceu ao lado de seis irmãos, onde desenvolveu na família sua sede de debater e questionar. Por isso, já aos 15 anos, se encontrou nos palcos, desenvolvendo todas as ramificações de seu talento. Agora adentrando o cinema, Grace chega esmurrando a porta em uma única cena, no premiado “Elon não acredita na morte”. Como boa mineira, já se fartou em prêmios sem ninguém perceber, como atriz e como dramaturga, dos mais prestigiados do país: APCA e Shell pelos textos de “Por Elise” e “Vaga carne”, Redentor de melhor atriz por “Praça Paris” no Festival do Rio e Candango de melhor atriz no último Festival de Brasília por “Temporada”, que estreia agora depois de sair consagrado do mais antigo festival de cinema do país.

Como sua trajetória não cansa de extrapolar os limites, amanhã começa um fim de semana de homenagens para ela na Mostra Tiradentes, com seu nome no centro das atenções da 22ª. edição do evento. Na abertura, Grace se lança em novo desafio, faz a sua sua estreia como diretora de cinema ao adaptar o seu “Vaga carne” para as telas com o amigo Ricardo Alves Jr., que está a seu lado há muitos anos nos palcos mineiros e a conduziu por “Elon...”. No dia seguinte, protagoniza uma performance especial para a Mostra. “Uma homenagem é sempre muito especial por nos fazer olhar para trás, mas essa parece ter uma proposta de futuro, de projetar algo adiante, além da surpresa de se lembrarem de uma atriz que faz cinema, sim, mas que essencialmente é uma cria dos palcos”, afirmou Grace.

No filme de André Novais Oliveira que estreia hoje, Grace é Juliana, uma jovem que sai de Itaúna para Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte, para combater endemias - atividade que o próprio André já exerceu, anos antes. Esse deslocamento provoca um olhar para si e para os outros, enquanto espera a chegada de seu marido. Essa transitoriedade por qual aparentemente Juliana está inserida é uma porta aberta para a intensidade do olhar de Grace, uma atriz completa, que constrói corpo e rosto em conjunto para entregar mulheres de textura verdadeira, com a bagagem que agora está sendo descoberta, mas que definitivamente não é pouca, nem rasa.

O tema da Mostra Tiradentes desse ano, “Corpos adiante”, foi primordial para a escolha de Grace como homenageada, e para Grace e Ricardo enfim adaptarem as radicalidades esperadas a um projeto ousado como ‘Vaga carne”, que Grace define como “uma ampliação das camadas do teatro, com câmeras no palco, e um olhar adiante naquela proposta, em outra linguagem”; o material corporal que Grace trás para a arte hoje é de força avassaladora e muito particular, quase única. Já a relação entre eles por exemplo é a principal força para levá-la ao cinema; depois dos anos de amizade, foi Ricardo a convidar Grace a ter destaque pela primeira vez nas telas (ela já tinha feito participação em “O céu sobre os ombros”, de Sérgio Borges). A partir daí, esbarrou em Lúcia Murat (“Grace nos deixa numa insegurança maravilhosa, não sabemos o que virá daquele olhar, uma espécie de medo e encantamento simultâneos”) e acabou abrindo um feixe dentro da Filmes de Plástico, a mais bem-sucedida produtora de cinema mineira hoje - e uma das maiores do país.

Além de “Temporada”, com o qual ela também ganhou prêmio em Turim, na Itália, os irmãos Gabriel e Maurílio Martins já levaram a atriz para “No coração do mundo” - que vai para o Festival de Roterdã promover seu lançamento mundial - e o próximo projeto, “A professora de francês”, de novo com Ricardo, deixam claro que Grace e a Filmes de Plástico estão apaixonados. “Eu falava pra Grace, ‘tenta ler o texto e falar como você falaria normalmente, e não como está escrito’, e isso é uma característica muito dela”, disse André Novais sobre a experiência com a atriz no grande vencedor de Brasília. A própria Grace se diz “encantada com a Filmes de Plástico e seus filmes notáveis, que são extremamente autorais e redimensionam territórios fora do eixo esperado”.

Talvez esse seja um dos fascínios de Grace Passô, transformar o banal em fascínio naturalista. É fácil imaginar onde irá parar o magnetismo que já capturou os palcos e as telas - virá mais por aí. Que Tiradentes tenha identificado isso no auge é uma prova de que esse brilho tímido tipicamente mineiro está prestes a explodir de vez.

*Membro da ACCRJ

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atriz | grace | passô