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Na alcova da invisibilidade

'Jovens polacas' recria saga de judias forçadas à prostituição do Rio do início do século XX

Fotos: Afinal Filmes/Miguel Vassy/Divulgação -
Alex Levy-Heller fala de uma história pouco conhecida
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Um pedaço pouco falado da história do Rio, fundamental para o entendimento da sonoridade feminina em um ambiente assolado pela violência sexual, vai ganhar as telas em forma de ficção, com toques de poesia, de dor e de muito respeito às imigrantes europeias, muitas delas judias, obrigadas a integrar as fileiras da prostituição no país: “Jovens polacas”. Seu título é homônimo ao livro de Esther Largman, considerado uma das mais respeitadas pesquisas sobre fluxos migratórios femininos. Disputado por uma série de cineastas desde sua publicação, em 1992, o ensaio investigativo de Esther chega ao cinema no segundo semestre, sob a direção de Alex Levy-Heller, realizador do documentário “O relógio do meu avô” (sobre memórias do Holocausto). O diretor passa em revista nesta produção de baixo orçamento uma outra diáspora, a das judias que chegaram ao Brasil com promessas de trabalho e acabaram transformadas em garotas de programa. Uma lenda do humor está no elenco: a veterana atriz Berta Loran, que interpreta Dona Sarita, fonte dos fatos que passaram com as “polaquinhas”.

A fama do livro de Esther, sobretudo no ambiente universitário e entre as associações judaicas, faz do projeto um dos filmes nacionais mais aguardados do ano. Na trama filmada por Levy-Heller, Ricardo, um jovem jornalista vivido por Emilio Orciollo Netto, realiza uma pesquisa para sua tese de doutorado sobre as ditas “escravas brancas”. Conhecidas como “polacas”, essas mulheres judias do Leste Europeu vinham para cá, muitas vezes, casadas com algum Don Juan profissional, cujo dom era seduzir jovens com ilusões de romantismo e de um futuro próspero em solo americano. Ao chegar aqui, elas se descobriam enganadas, dando-se conta de que os supostos maridos eram na verdade “caftens” (cafetões) que as traficavam para a prostituição. Ao ser entrevistada por Ricardo, a Sra. Mira (papel de Jacqueline Laurence) revela com detalhes a vida e rotina de sua mãe, uma das “polacas”, e, dessa maneira, faz as pazes com o obscuro passado. Branca Messina, Alessandra Verney e Lorena Castanheira estão entre os destaques do elenco, que inclui ainda um mito do cinema brasileiro, Flavio Migliaccio (o eterno Tio Maneco), no papel de seu Abraão.

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"As jovens polacas" conta a história das imigrantes eslavas que eram enganadas por cafetões e forçadas à prostituição no Brasil (Foto: Afinal Filmes/Miguel Vassy)

Na entrevista a seguir, Levy-Heller dá o tom do Rio antigo que devassou.

JORNAL DO BRASIL - Qual o universo de “Jovens polacas” e de que maneira esse mundo simboliza a história do Rio na primeira metade do século XX?

ALEX LEVY-HELLER: As polacas eram jovem moças judias, pobres, vindas do leste europeu enganadas, para entrar na prostituição no Rio. Faziam parte do dito “baixo meretrício” e adquiriram o termo “polacas” pelo exotismo, pois elas eram prostitutas brancas, europeias e judias. Logo, atraíram a atenção da sociedade carioca que frequentava as “pensões” no Canal do Mangue, a Praça XI, a Vila Mimosa e, logo, ficaram famosas na boemia da cidade. Por outro lado, eram discriminadas pela comunidade judaica local, proibidas de frequentar as sinagogas e de serem enterradas dignamente em cemitérios judaicos. A história das polacas é parte intrínseca da história do Rio, não é à toa que o cemitério das polacas em Inhaúma é tombado pela Prefeitura do Rio como patrimônio cultural da cidade. Mas o que é simbólico, ou melhor, sintomático, é que quando se fala na história do Rio, não se mencionam as polacas. Essas mulheres são esquecidas, inclusive (propositalmente ou não) pela comunidade judaica até recentemente. O filme é uma forma de eternizar essa história e homenageá-las da melhor maneira possível.

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Alex Levy-Heller fala de uma história pouco conhecida (Foto: Fotos: Afinal Filmes/Miguel Vassy/Divulgação)

De que maneira seu filme simboliza a questão dos expatriados, na lógica das imigrantes às voltas com o comércio sexual?

Em “Jovens polacas”, não procuramos simbolizar a imigração judaica. Nós reconstituímos, de maneira poética, um fato: a história dessas mulheres. Como muitos imigrantes, elas vinham ao Brasil cheias de esperanças e acreditavam que estavam se casando, para buscar uma nova vida no novo continente. Porém, aqui, seus supostos maridos eram, na verdade, caftens, cafetões, que as exploravam na prostituição. Quando compreendiam a situação em que se encontravam, essas moças não podiam retornar à Europa. De certa forma, além de não haver um sentimento de pertencimento ao país, eram profundamente excluídas pela própria comunidade judaica, assim como eram os caftens, devido à atividade do comércio sexual.

Como foi filmar na região da Vila Mimosa e o que aquele perímetro urbano simboliza acerca do Rio antigo?

A Vila Mimosa sempre foi conhecida no Rio como a região da prostituição. Havia algumas polacas por lá no início do século passado. Era também a região da boemia, das festas e frequentada pela sociedade carioca. Filmar lá foi como voltar ao passado, sentir a energia local - por sinal, muito carregada - ajudou na construção das cenas.

Que simbolismo existe em filmar no cemitério das polacas?

Filmar no cemitério das polacas, em Inhaúma, foi emocionante. Eu ficava olhando as lápides, muitas danificadas, e imaginava a vida daquelas mulheres. Estávamos fazendo um filme, e era algo real. Os nossos personagens estavam ali, enterrados e esquecidos por um longo tempo.

Quem é a tua protagonista e quem são os homens dos teus filmes?

As mulheres têm sido as protagonistas dos meus filmes, exceto em um... o documentário que fiz sobre o Macaco Tião. Talvez por minha origem judaica, onde a matrilinearidade é predominante, ou pelas “mulheres-exemplo” da minha família, inconscientemente, eu acabo escrevendo para elas. São histórias que desejo contar. Incidentemente, os homens nos meus dois últimos filmes de ficção, “Christabel” e “Jovens polacas”, são figuras opressoras, estão ali apenas para reforçar o heroísmo das protagonistas.

*Roteirista e crítico de cinema

Afinal Filmes/Miguel Vassy - "As jovens polacas" conta a história das imigrantes eslavas que eram enganadas por cafetões e forçadas à prostituição no Brasil