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Alternando produções populares e inovações autorais, o cinema português promete surpreender em 2019

Divulgação -
Deolinda e o galã Eduardo, vividos por Daniela Melchior e Diogo Morgado, em "Parque Mayer" que mescla homenagem ao teatro de revistas com críticas ao salazarismo
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Enquanto o cinema brasileiro chora pela queda vertiginosa de público sofrida ao longo deste 2018 que termina hoje, tanto entre os filmes autorais de maior ousadia estética quanto entre as comédias talhadas para o varejo, Portugal fecha o ano com seu público pagante a afagar uma (deliciosa) homenagem ao teatro de revista dos anos 1930 - “Parque Mayer”, de António-Pedro Vasconcelos - e a ansiar por um 2019 cheio de glória nas telas. Com a lotação quase esgotada, numa sala de um multiplex dividido entre Aquaman e Mary Poppins, o novo longa-metragem do realizador de “Call girl” (um fenômeno em venda de ingressos em solo lusitano, lançado em 2007) se faz notar, frente à concorrência hollywoodiana, pelas gargalhadas que arranca da plateia, a torcer pelo duelo de seus personagens contra a repressão salazarista.

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Deolinda e o galã Eduardo, vividos por Daniela Melchior e Diogo Morgado, em "Parque Mayer" que mescla homenagem ao teatro de revistas com críticas ao salazarismo (Foto: Divulgação)

Já os bons augúrios para o ano que vai nascer diz respeito à presença do cinema português na competição oficial do Festival de Roterdã (de 23 de janeiro a 3 de fevereiro, na Holanda) com “Alva”, de Ico Costa: é uma trama de vingança sobre um homem que perdeu a guarda de suas filhas. Fora isso, há uma celebração entre a crítica local pelo regresso de um dos mais festejados realizadores locais: Pedro Costa, que hoje finaliza “As filhas do fogo”, quatro anos após ter sido laureado com o troféu de melhor diretor no Festival de Locarno por “Cavalo Dinheiro”. Há mais uma leva de diretores lusos de respeito com filmes novos a caminho. E, se não bastasse, eles ainda estão prestando um tributo a seu mestre maior, Manoel de Oliveira (1908-2015), realizador do cult “O princípio da incerteza” (2002), com uma retrospectiva na Cinemateca de Lisboa. É cinefilia por todos os lados, em variadas latitudes.

“Há um grande diretor português, o Fernando Lopes, que cunhou uma frase fenomenal para explicar como somos e como é o nosso cinema: ‘Há uma beleza triste na derrota’. Esse é um sentimento que está espelhado no nosso cinema autoral, que, apesar de valorizar figuras que sofrem, perdem, fraquejam, segue a resistir”, avalia o crítico Hugo Gomes, do site “C7nema. “Já o cinemão nosso tenta dialogar com fórmulas de Hollywood ou da TV, sendo que um realizador com a experiência de quatro décadas que o António-Pedro tem, consegue fugir das artimanhas televisivas e ainda encantar o grande público”.

Em “Parque Mayer”, o cineasta já septuagenário narra a luta de uma trupe de revisteiros para levar uma nova comédia, “À direita volver”, aos palcos apesar da patrulha dos censores de Salazar. O espetáculo é estruturado em meio à chegada de uma aspirante à atriz, Deolinda (Daniela Melchior), uma garota de programa vinda de Fátima que sonha deixar sua rotina na prostituição para viver do teatro e do canto. O coração da moça bate pelo autor da revista, Mário Pintor (Francisco Froes), em dúvida acerca de sua sexualidade. Mas ela sofre o cortejo do galã da peça, Eduardo (Diogo Morgado, um poço de carisma). Tudo isso se passa em meio a prisões, brutalidades estatais e o sonho de fazer da arte o recanto da liberdade.

Hugo Gomes destaca uma produção lusa que estreia no Brasil em duas semanas: “Ama-san”, de Claudia Varejão, sobre mulheres no Japão que vivem do mar, mergulhando em busca de sustento. “Claudia é uma de nossas diretoras de maior potência e fez um filme de planos aquáticos belíssimos”. Segundo o crítico, uma coprodução Brasil/Portugal/França é uma das atrações mais esperadas do circuito lisboeta em janeiro: “O Grande Circo Místico”, de Cacá Diegues. “É raro termos filmes brasileiros aqui" .

*Roteirista e crítico de cinema