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Filme baseado em Rasga coração, de Vianinha, surpreende críticos e encanta plateias

Fotos: divulgação -
novo longa-metragem de Jorge Furtado
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Nesta hora de retrospectivas e balanços do ano, em que o cinema nacional revista o que viveu de melhor em 2018 (como “O processo”, “Arábia”, O Grande Circo Místico”, “O Doutrinador”), uma produção gaúcha, baseada em um marco da dramaturgia brasileiro, tomou de assalto o coração da crítica de todo o país, surpreendendo formadores de opiniões e espectadores com sua poética melancolia política: “Rasga coração”. Em cartaz desde quinta-feira, o filme ganhou resenhas elogiosas de toda a imprensa, o que vem refletindo na adesão do público ao novo longa-metragem de Jorge Furtado. Há quase 30 anos, ele levou à Europa um curta-metragem que fez história no formato: “Ilha das Flores” (1989).

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novo longa-metragem de Jorge Furtado (Foto: Fotos: divulgação)

Agora, depois de uma leva de incursões em tramas ficcionais nas raias do humor e da dor, como “O homem que copiava” (2003), ele se volta para feridas morais de sua geração revendo o derradeiro texto do dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha (1936-1979). Sua peça foi batizada em referência a uma canção de Anacleto de Medeiros e Catulo da Paixão Cearense. Nela, Vianinha traduziu as desilusões políticas do Brasil dos anos 1970. Filmada no fim do ano passado, a transposição do espetáculo para o cinema do traz Marco Ricca (astro do cult “Aos teus olhos”) no papel de Manguari Pistolão, um ex-militante que se vê defasado em suas crenças éticas e afetivas ao questionar as escolhas de seu filho (Chay Suede). Drica Moraes, Luisa Arraes e George Sauma integram o elenco do longa. Nesta entrevista, Furtado fala da força estética de Vianinha.

O que você buscou de paralelo com o Brasil de hoje ao revisitar o texto do Vianinha?

JORGE FURTADO - “Rasga Coração” é a história de Manguari Pistolão, um velho combatente da política e das causas democráticas, que tenta entender seu filho Luca, um jovem desiludido com a política tradicional. Manguari é um homem de esquerda, desencantado com os rumos do país. Luca acha que a política tradicional não é capaz de transformar o mundo, quer enfrentar questões de gênero e invadir a escola. Vianinha terminou de escrever a peça pouco antes de falecer, em 1974, mas, em muitos sentidos, ela parece ter sido escrita ontem. Vianinha, que foi um dos primeiros dramaturgos a enfrentar o obscurantismo do golpe de 1964, no espetáculo “Opinião”, escrito em parceria com Armando Costa e Paulo Pontes, também foi o primeiro, com “Rasga coração”, a alertar para o esgotamento do discurso da esquerda, mal a ditadura terminava. “Rasga coração” é o retrato de um país partido. Parece familiar?

O que o Manguari Pistolão ainda representa para os nossos dias? O que há de mais atraente no personagem?

Manguari Pistolão é um dos mais comoventes personagens da dramaturgia brasileira. Um “trabalhador brasileiro, lutador e herói anônimo”, que pega o mesmo ônibus há mais de 20 anos, com o mesmo crachá. É um militante que acredita na capacidade da política transformar o mundo, que defende grandes causas sociais, é solidário com os mais fracos, capaz de chorar ao ver cinco operários comendo marmitas frias, que carrega o mundo nos ombros mas é incapaz de viver sua própria vida, namorar sua própria mulher, entender seu próprio filho. É espantosa a capacidade de Vianinha para criar personagens tão humanos.

Como começou o teu encanto por Vianinha e o que o texto dele tem de mais encantador?

Meu encanto pelo trabalho do Vianinha começou com “A Grande Família”, que eu adorava assistir e nem sabia que era escrito por ele. Vi a primeira montagem de “Rasga coração” em São Paulo em 1979, dirigida por José Renato, com Raul Cortez, Sônia Guedes, Ary Fontoura, Lucélia Santos. Foi uma das melhores peças que já vi, saí do teatro atordoado. A peça apresentava uma visão inteiramente nova do Brasil, situava uma família de classe média brasileira na linha da história, era um retrato do século 20 até ali, e fazia tudo isso com humor, emoção e muitas músicas. Comprei o livro da peça, editado pelo Serviço Nacional do Teatro, em 1980, e não parei de reler o livro. Nélson Rodrigues, que tinha pouca ou nenhuma afinidade política com Vianinha, foi taxativo ao ver a peça: “‘Rasga coração’ é uma das mais belas e fascinantes obras-primas do teatro brasileiro. Não posso ser mais conclusivo e definitivo”.

*Roteirista e crítico de cinema