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Gal Costa lança A pele do futuro hoje no Rio, cidade onde revive sua história

Teca Lamboglia/Divulgação -
Gal Costa foi ovacionada pela plateia ao surgir no palco cantando "Dê um rolê", dos Novos Baianos
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Quando o céu parecia cinzento para Caetano Veloso no exílio em Londres, Gal Costa mantinha as cores tropicalistas firmes em solo brasileiro. Nesta noite, a grande intérprete do movimento cai na pista dos anos 1970 e revive este e outros momentos célebres da história da MPB no show de lançamento do álbum “A pele do futuro”, esta noite, no Vivo Rio.

Para lavar a alma do público, a cantora festeja os 53 anos de carreira em um palco-estrada, onde canções como “London, London”, “Chuva de prata” e “Vaca profana” se fundem a um colorida cartela de influências, como o reggae. Ao expor a “pele do futuro”, Gal ressurge cheia de energia e com a voz marcante do Tropicalismo mais potente do que nunca.

“A ideia foi de resgatar a alegria, procurar fazer um disco alegre, embora não só o Brasil, mas o mundo todo esteja passando por momentos muito difíceis. O objetivo foi, realmente, festejar meus 53 anos de carreira. Tem muitos sucessos, e eu poderia fazer cinco shows com o repertório que tenho. O show começa com uma canção que diz “Eu sou o amor da cabeça aos pés” (“Dê um rolê”, dos Novos Baianos), quero mais amor para as pessoas”.

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Gal Costa foi ovacionada pela plateia ao surgir no palco cantando "Dê um rolê", dos Novos Baianos (Foto: Teca Lamboglia/Divulgação)

Marcus Preto novamente assina a direção geral do espetáculo e artística do novo álbum, cujo título traz uma reflexão sobre as cicatrizes do tempo. A cantada “pele do futuro” se forma após a cura das feridas, nascendo “imune ao corte”. Os versos compostos por Gilberto Gil para Gal estão na canção “Viagem passageira”, que espelha a força e vitalidade da cantora de 73 anos, centelha de uma catarse coletiva, em São Paulo, em atuação aclamada por público e crítica no último sábado.

“Quando eu subo ao palco, essa energia vem, eu não sei de onde. Vem de Deus, do Cosmos, dos anjos, das estrelas, do meu orixá, enfim, essa energia vem e eu me sinto com muita vitalidade”, resume Gal, feliz com o percurso decorrido neste trabalho: “Quando fiz ‘A pele do futuro’, queria uma estética dos anos 1970. Algumas canções que eram samba viraram dance music, a gente procurou seguir essa pista. Marcus Preto começou a trançar o repertório e eu disse a ele que queria trazer os grandes sucessos da minha carreira para essa atmosfera. Fiquei muito contente com a repercussão da plateia, foi muito bonito”.

A baiana que viveu a explosão cultural e política do Rio de nos turbulentos anos 1960, a Gracinha que veio morar no Solar da Fossa, uma pensão de 85 apartamentos em Botafogo, onde hóspedes e frequentadores eram Paulinho da Viola, José Wilker, Chico Buarque, Tim Maia, Paulo Coelho, entre outros que se tornariam personalidades, confessa um sentimento especial ao pisar o palco carioca.

“A emoção de cantar no Rio é muito especial, porque foi minha segunda cidade. Nasci em Salvador, mas morei praticamente a minha vida toda no Rio, por mais de 25 anos. Toda a minha história se passou no Rio. Sinto uma emoção incrível, é um filminho na minha cabeça”, conta a artista que vive em São Paulo.

Em 1970, no auge da ditadura militar, o LP “LeGal” incluiu a faixa “London, London”, a canção de desabafo de Caetano Veloso sobre o exílio em Londres. Se foi a voz do Tropicalismo? Gal Costa responde, categórica:

“Acho que sou a voz feminina do Tropicalismo, sim. Fiquei aqui no período do exílio de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Fiquei aqui, cantando as canções que eles compunham lá em Londres. De vez em quando, ia visitá-los e trazia muitas canções. Segurei a barra da onda tropicalista no Brasil durante o período militar”, relembra a artista.

Cinquenta anos após a edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5), que cerceou liberdades individuais, e da prisão de Gil e Caetano, Gal reaparece no palco, acreditando mais do que nunca na arte como forma de transformar a vida das pessoas.

“É um show para lavar a alma das pessoas, para levar amor, alegria. Eu canto para isso, a minha carreira é uma missão. O que faço é uma missão para tornar a vida das pessoas melhor, por um dia, uma semana”.

A apresentação é finalizada literalmente com um “Bloco do Prazer”, capaz de transportar até o mais cético dos fãs ao coração do carnaval de Salvador décadas antes da exploração turística e comercial da festa. É Gal Costa em ritmo de “Balancê”, “Massa real” e “Festa do interior”.

Na vida pessoal, demonstra a mesma fé nas escolhas que exibe no palco. A mulher que canta com voz irretocável e uma força quase mística os sucessos do passado também busca lá no início de sua trajetória, nos ensinamentos de sua mãe, Mariah Costa Pena, as lições para criar o filho Gabriel, de 13 anos. Um dos momentos mais emocionantes do show é um tributo à maternidade. Última canção a entrar no novo álbum, “Minha mãe” foi composta pelo mineiro César Lacerda a partir de uma letra do carioca Jorge Mautner, muito amigo de Dona Mariah.

A música levou Maria Bethânia pela primeira vez a gravar em estúdio por convite de Gal. No palco, o emocionante tributo às mães vem acompanhado de “Oração de Mãe Menininha”, homenagem de Caymmi à mãe espiritual da Bahia. Ancorada pelos ensinamentos de Dona Mariah, a responsabilidade de criar Gabriel, com todas as contradições de um País marcado pela instabilidade, não é problema.

“Responsabilidade é sempre bom. A vida sem responsabilidade é chata, você tem que ter responsabilidade com o que você faz, com o que pensa ou diz. Criar um menino de 13 anos é, para mim, uma coisa instigante, boa. É ensinar os valores que minha mãe me passou. O que ela me ensinou eu ensino a ele. A coisa mais importante da vida é meu filho”.