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Entrevista - Laurence Fishburne: O alquimista segue na Matrix

Ator atrai os holofotes do Festival de Marrakech e reafirma o desejo antigo de filmar best-seller de Paulo Coelho

Rodrigo Fonseca -
Em Marrakech, o ator e diretor lista os novos projetos que ocupam sua mente
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Logo após ter sido indicado ao Oscar por seu desempenho como Ike Turner em “Tina - A verdadeira história de Tina Turner” (1993), Laurence Fishburne, hoje com 57 anos, foi protagonizar “Othello” (1995), com Irène Jacob e Kenneth Branagh: foi nessa época, de sucesso profissional, que ele declarou seu desejo de filmar “O alquimista”, o fenômeno de vendas responsável pela fama mundial de Paulo Coelho. O escritor virou uma grife global nas livrarias, mas o projeto não saiu do papel. Ainda, conforme o ator declarou na bateria de entrevistas que deu no Festival de Marrakech. Ele veio ao Marrocos para uma projeção de gala de um sucesso comercial da Marvel, no qual é coadjuvante de luxo: “Homem-Formiga e a Vespa”, de Peyton Reed. Mas a popularidade dele por aqui (e no planeta afora) é enorme, não apenas por sua presença em séries de sucesso como “CSI” e “Hannibal”, mas por estar imortalizado no imaginário cinéfilo como Morpheus, o guru do herói neo (Keanu Reeves) na franquia “Matrix”. Em 2019, o primeiro longa-metragem daquela série sci-fi completa 20 anos: à época de sua estreia, ela mudou todas as convenções do gênero. Na entrevista a seguir, Fishburne conta ao JORNAL DO BRASIL parte de sua história nas telas, sobretudo suas passagens ao lado de Keanu nesse clássico da ficção científica. E fala de seus atuais projetos, incluindo dirigir a saga do alquimista.

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Em Marrakech, o ator e diretor lista os novos projetos que ocupam sua mente (Foto: Rodrigo Fonseca)

JORNAL DO BRASIL - Como ficou o projeto de filmar “O alquimista” quase 25 anos depois das primeiras notícias sobre seu interesse no livro de Paulo Coelho?

Laurence Fishburne - Eu ainda estou correndo atrás disso, porque ali há uma história que precisa ser contada. Aliás, agora mais do que nunca, pois se trata de uma trama sobre jornadas espirituais, troca entre culturas distintas, aprendizado acerca das diferenças. Talvez por isso ele não tenha saído antes. Diante das lições que estão ali, 20 anos não significa muito. E eu continuei trabalhando em coisas diferentes nesse tempo, tendo até dirigido um filme (“Uma vez na vida”, de 2000), tendo estrelado série de TV.

O que mais mudou na sua vida nesse tempo em que se dedica ao projeto e que novos filmes vêm por aí?

O que mudou? Fiquei mais velho, criei barriga, ganhei mais senso de humor... Novos filmes? Tem muita coisa, mas há um projeto muito divertido vindo que é o terceiro filme da franquia “John Wick”, em que eu contraceno de novo com meu amigo Keanu Reeves, depois de tudo o que fizemos em “Matrix”. É uma franquia sobre um mundo muito louco, hiperviolento, que parece uma grande brincadeira de polícia e ladrão, daqueles que a gente fazia quando menino. E o Richard Linklater, um diretor que admiro muito pela leveza de seu olhar sobre a vida, criou um papel pra mim em seu novo filme, “Where’d you go, Bernadette?”. Fizemos “A melhor escolha” juntos, recentemente, e ele me chamou pra essa nova empreitada de um jeito engraçado, dizendo: “Eu tenho uma cena em que você entra e escuta Cate Blanchett falar, pode ser?”. Como dizer não à Cate e a um cara como ele?

Num piscar de olhos, “Matrix” somou duas décadas no imaginário cinéfilo: a saga de Neo, papel de Keanu, e de Morpheus, seu personagem, vai completar 20 anos em 2019. O que aquele filme representou para a cultura pop?

Ele mudou tudo... e num gesto simples: levou filosofia para a ficção científica. É uma história antiga. É a história do messias que salva a Terra. Mas essa velha história veio envelopada me símbolos contemporâneos, signos pop, na tecnologia. Mal comparando, “O alquimista” me trouxe a mesma sensação de quando eu li o livro: de antigo ancestral contado de uma maneira contemporânea e universal. Curiosamente, pensando em “Matrix”, eu não sou um sujeito tecnológico: tenho um smartphone, mas não vivo enfiado nele, pois não frequento as redes sociais. Prefiro conversar com as pessoas. Eu ainda ligo pras pessoas, em vez de mandar mensagens.

Você falou com carinho de Keanu Reeves. Que tipo de ator ele, hoje, já com 54 anos, virou?

É uma bênção estar com Keanu não apenas por sermos amigos e termos passado experiências muito loucas fazendo “Matrix”, mas pelo fato de ele ser uma das pessoas mais inteligentes que já conheci. E ele tem um perfil diferente de tudo o que você já viu no cinema, o que garantiu a ele espaço nas telas estes anos todos. Isso e o fato de ele ser um ator que se arrisca: ele cresce como intérprete porque faz escolhas desafiadoras. Às vezes, ele acerta. Às vezes, erra. Mas a arte é isso. Na hora em que eu falava das loucuras de “Matrix”... veja... aquele olhar filosófico sobre a tradição sci-fi, cheia de efeitos especiais novos, era algo que ninguém conhecia no cinema. Era uma experiência. Tudo era novo, era risco. E estávamos ali, Keanu e eu, juntos.

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Fishburne em "Matrix", um olhar filosófico sobre a tradição da sci-fi (Foto: Divulgação)

Você errou ao ter recusado o convite de Quentin Tarantino para atuar em “Pulp fiction” (1994), no papel que foi para Samuel L. Jackson?

Claro que não! E vou dizer o porquê. Se eu tivesse aceitado, não teria havido aquele desempenho extraordinário do Samuel, que celebrizou seu nome e fez dele uma das maiores estrelas de todos os tempos no cinema. Eu tive outras boas chances depois. E pude admirar Samuel.

Você passa pelo Festival de Marrakech com um filme de super-herói que faturou cerca de 625 milhões nas bilheterias: “Homem-Formiga e a Vespa”. Ao mesmo tempo, você tem vaga cativa no universo DC Comics, como Perry White, o editor do “Planeta Diário”. O que esse filão dos heróis mascarados representa hoje?

Não acho que a onipresença do filão esteja atrapalhando o cinema: toda onda tem seu tempo de calmaria, terminando na hora certa. Não chegou essa hora. E, como eu cresci lendo quadrinho, tenho muito encanto com esses filmes. “Pantera Negra”, por exemplo, foi um marco para a população negra do mundo. Negros como eu encontramos ali um sonho realizador: um príncipe de origem afro virou herói. É muito significativo. A experiência de ser Perry White é outra coisa, também prazerosa: tento fazer daquele personagem uma homenagem a um grande jornalista negro americano que, infelizmente, já se foi: Ed Bradley.

Tem um filme inédito com você no elenco que é um dos mais esperados desta temporada de fim de ano: “The mule” (“A mula”), de Clint Eastwood. Como é trabalhar com ele... e cerca de 15 anos depois que vocês fizeram o cult “Sobre meninos e lobos”?

Estar num set sob a direção dele dá a um ator uma sensação de maturidade. O que ele faz é um cinema sincero, de extrema simplicidade, usando a mesma equipe, há anos. Uma equipe que o admira. Quando comecei no cinema, ainda adolescente, fiz “Apocalypse now”, um filme importantíssimo para a história, mas que teve muito problema pra sair do papel. Francis Ford Coppola, que me ensinou muito, levou quase dois anos para concluir aquele filme. Dois anos de uma vida, de muitas vidas. O Clint é diferente: em 25 dias... 25... ele filmou tudo. São experiências diversas. Todas contam.

*Roteirista e crítico de cinema

Divulgação - Fishburne em "Matrix", um olhar filosófico sobre a tradição da sci-fi