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Aos 54 anos, o ator Vincent Perez se reinventa como fotógrafo, cineasta e produtor

Divulgação -
Cena clássica de Perez com Isabelle Adjani em "Rainha Margot"
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MARRAKECH (Marrocos) - Fetiche mundial nos 1990, imortalizado num lascivo abraço com Isabelle Adjani em “A rainha Margot”, o suíço Vincent Perez frequentou sonhos cinéfilos de muitos países até que o peso da palavra “galã” pesou sobre seus ombros e tornou o ofício de atuar um tanto sem sentido. Sair atrás da fama e da consagração midiática perdeu o sentido para o ator de 54 anos, que buscou em outros verbos, como “dirigir” e “fotografar”, o prazer e a dimensão crítica da arte. Clicar retratos com uma meticulosa análise formal da realidade e filmar histórias sobre resistência deram à sua carreira um novo sabor. De passagem pelo Festival de Marrakech, no Marrocos - como coadjuvante de “No portal da Eternidade”, ensaio do cineasta Julian Schnabel sobre a vida do pintor Vincent Van Gogh -, Perez confere a diversidade de filmes do evento com uma curiosidade de estudante.

“As pessoas perderam a habilidade e a generosidade de saber ouvir neste mundo tão lotado de imagens, de mensagens, onde o sentido por trás de uma cena merecia ser melhor pensado e sentido”, disse Perez, em entrevista ao JORNAL DO BRASIL num jardim de Marrakech. “Eu tenho um amigo brasileiro que queria me levar ao país de vocês, pra talvez levar minhas fotos, pra me deixar conhecer uma realidade diferente da minha. Seria ótimo ir, sobretudo porque eu já ouvi que ‘O corvo: cidade dos anjos’, que fiz nos anos 1990, obteve muito sucesso no Brasil. Mas nunca tive a chance de ir. Agora, estou numa fase em que atuar voltou a ter sentido, embora sem a ambição de fazer qualquer coisa. Eu escolho melhor”.

Mitos da direção como Ettore Scola, Michelangelo Antonioni e Roman Polanski tiveram Perez no elenco de seus filmes. A experiência de saber escutar o que um cineasta quer ajudou nas incursões dele como realizador: a mais famosa é “Alone in Berlin”, drama sobre um casal (Emma Thompson e Brendan Gleeson) que enfrentou os nazistas, indicado ao Urso de Ouro em 2016, mas inédito aqui. “Hoje, dirigir fala mais ao meu instinto criativo, mas ainda tenho prazer atuando, seja lá que papel for, desde que o projeto signifique algo”, diz Perez, que tira retratos de dançarinos, músicos e atores, como o popstar do rock francês Johnny Hallyday (1943-2017) em seu trabalho como fotógrafo. “Gosto de retratos, mas tiro apenas uma ou duas fotos de cada pessoa com que trabalho, e não uma série de fotos para escolher a ideal. Sou bem meticuloso, preocupado mais em criar uma conexão com a intimidade alheia”.

Em Marrakech, Perez promoveu um projeto pessoal, o festival Rencontres du 7e Art Lausanane, que criou há cerca de quatro anos na Suíça, a fim de estimular a troca entre cineastas e artistas visuais. “A ideia é levar grandes diretores e atores que apresentem seus novos trabalhos mas que possam falar sobre filmes de outros grandes cineastas, essenciais à formação deles. Já levamos Darren Aronofsky, Barry Levinson, Christopher Walken”, diz Perez. “É algo íntimo, sem competição, no início do ano, para fomentar a imersão no debate”.

Nesta segunda, o Festival de Marrakech promete mexer com a almas cinéfilas do Marrocos ao exibir uma cópia restaurada de “Os intocáveis” (1987), de Brian De Palma, de carona na visita de Robert De Niro à cidade. Na segunda, ele vai conversar com o público local sobre o filme, no qual viveu Al Capone, e sobre seus atuais projetos.

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Cena clássica de Perez com Isabelle Adjani em "Rainha Margot" (Foto: Divulgação)

‘O Brasil vive dias complicados’

Para julgar os 14 longas-metragens de sua competição oficial de 2018, vindos de 13 países diferentes (há dois dos México), o Festival de Marrakech conta com um júri de fazer inveja a muita superprodução hollywoodiana, com direito a estrelas como Dakota Johnson (“50 tons de cinza”) e Daniel Brühl (“Adeus, Lênin!”) avaliando suas obras. Mas um dos nove jurados deste ano, que trabalham sob o comando do diretor americano James Gray (de “Z: A cidade perdida”), teve um destaque a mais na entrevista coletiva promovida pelo evento: o cineasta Michel Franco, do México. Ao responder sobre a situação estética da América Latina, em retorno a uma pergunta do JORNAL DO BRASIL, o premiado realizador de “Después de Lucía” (2012) e “Chronic” (melhor roteiro em Cannes, em 2015) colocou a realizada social brasileira em foco nos papos do Marrocos.

“O cinema latino-americano está diante dos conflitos políticos e econômicos de seus países, como eu vivo no México e como vocês, brasileiros, devem está vivendo. O Brasil vive dias complicados, a um ponto que me cabe falar das questões políticas. A questão é o fato de esses problemas chegarem ao cinema, atrapalharem a viabilização dos filmes. Mas, de qualquer forma, as dificuldades tornam os filmes da América do Sul e América Central mais interessantes”, disse Franco ao JB, acompanhado de Gray, Dakota, Brühl e dos demais jurados: a artista visual Joana Hadjithomas, os cineastas Lynne Ramsay, Laurent Cantet e Tala Hadid e a atriz Ileana D’Cruz. “Estamos aqui, como jurados, buscando novas vozes”.

Após a coletiva, conversas em múltiplas línguas citando o nome de Jair Bolsonaro começaram por todos os cantos do Palais des Congrès, o centro nervoso do festival, sempre citando a fala de Franco. O trabalho dele e de seus parceiros já começou. Ontem, a produção mexicana “Las niñas bien”, de Alejandra Márquez Abella - centrada no impacto das crises econômicas da década de 1980 sobre a saúde financeira da alta classe média daquele país – inaugurou a seleção competitiva na briga pela Estrela de Ouro – há uma coprodução Argentina x Brasil no páreo, chamada “Vermelho Sol”. Ainda no sábado, Marrakech se comoveu com o concorrente austríaco “Joy”, drama sobre prostituição de africanas em solo europeu, dirigido pela cineasta Sudabeh Mortezai. Hoje, na competição, serão exibidos “Diane”, de Kent Jones (EUA), e “The load”, de Ognjen Glavonic (Sérvia).

Hoje, Marrakech vai parar para ouvir Martin Scorsese falar de cinema: o diretor de cults como “Os bons companheiros” (em cartaz no evento, em cópia restaurada) está dando os retoques finais no thriller criminal “The irishman”, feito para a Netflix, mas arrumou tempo pra falar sobre sua obra com os marroquinos. Ele participa ainda de uma sessão de “Kundun”, um de seus mais ousados longas sobre fé, lançado em 1997. Além da palestra de Scorsese, o festival vai conferir neste domingo uma homenagem à nonagenária cineasta belga Agnès Varda (“Visages villages”) e a projeção do novo longa da atriz italiana Valeria Golino como diretora, “Euforia”, um estudo sobre o amor entre irmãos.

Na segunda, o ator Robert De Niro e o diretor Guillermo Del Toro vão falar com o público de Marrakech sobre filmes, política, sonhos, projetos. O festival termina no dia 8. (R. F.)

*Roteirista e crítico de cinema